Querem mesmo fazer-nos de parvos?

José Sócrates deu mais uma entrevista, há uma semana, desta vez à Antena 1 e essencialmente política. Deduz-se – e isto deveria ter sido esclarecido pela estação – que esta terá sido uma condição combinada previamente, tendo em conta não só a matriz do programa (entrevistas a políticos), mas também o interesse do entrevistado, que…

Numa notável inversão de papéis, José Sócrates aproveitou a ocasião para dizer, umas quatro vezes, que «o Ministério Público está sob suspeição» por ainda não ter conseguido deduzir uma acusação e apresentar as provas. Provas, aliás, que «não existem», mesmo quando todos temos na cabeça o n.º 15 da Avenida Président Wilson, em Paris, as conversas com o amigo sobre a cor dos ladrilhos dessa mansão e os milhares e milhares de euros em envelopes que este lhe fazia chegar às escondidas, com medo talvez que uma simples transferência bancária fizesse o dinheiro ir parar a uma offshore criada pela Mossack Fonseca…

Aproveitou ainda para chamar «kitsh» e «frenético» a Marcelo Rebelo de Sousa, deu largas ao ódio pela «direita política» e até ajustou contas com a banca, que na sua opinião está agora às mãos do BCE em consequência de não o ter apoiado em 2011, quando tentou tudo para evitar pedir ajuda externa e que entidades estrangeiras viessem mandar no país – um desfecho em relação ao qual, claro está, não sente a mínima responsabilidade.

O ex-primeiro-ministro também classificou como «um erro político» e «uma precipitação» do Governo o decreto que permite a desblindagem dos estatutos da banca, afrontando Angola no caso BPI – um país em que ele tem boas relações, como sabem todos os que leram as notícias sobre os seus telefonemas ao vice-Presidente Manuel Vicente, pedindo-lhe que ajudasse os amigos do Grupo Lena («pessoas a quem devo atenções», lembram-se?).

Depois, com o ar mais sonso, assegurou que ainda aprecia este Governo: «Gosto, gosto!». Para, logo de seguida, criticar o silêncio do PS por não cair em cima do MP (e, quiçá, demitir a procuradora-geral da República…), perante a ausência de acusação na Operação Marquês.

Mesmo no fim, não perdeu a ocasião para repreender os jornalistas: «Eu sempre tive a ideia de que a classe jornalística era muito sensível a todos estes abusos, era uma classe contrapoder e que condenava tudo o que é prepotência. E, de repente, vemos a classe jornalística pouco incomodada com o que se está a passar comigo, um cidadão detido e sem acusação há um ano e meio!».

Claro que nem passa pela cabeça do ex-primeiro-ministro – a quem tem sido dada a oportunidade de dizer tudo o que bem lhe apetece na comunicação social – que os jornalistas não tenham encontrado na Operação Marquês nada de especialmente diferente em relação ao que se passa com os suspeitos de outros processos de corrupção, cuja acusação ainda terá demorado mais tempo a formular. Mas até ele deve saber que não se pode passar o tempo todo a querer fazer os outros de parvos, pois a partir de certa altura a coisa não funciona.

À mesma conclusão já deveria ter também chegado Diogo Lacerda Machado, o melhor amigo do primeiro-ministro, que, ao fim de cinco meses a negociar com privados em nome do Estado mas sem mandato e pro bono, foi obrigado a ir prestar contas ao Parlamento. «Fui movido exclusivamente pelo serviço público. Não preciso de ter contrato para ser mais honesto e sério naquilo que me disponibilizei a fazer», defendeu.

O que espanta nesta declaração é que ela é feita por um experiente advogado e gestor de empresas, que até já foi secretário de Estado da Justiça. E que é suposto saber que em questões de Estado há formalidades a cumprir, sob pena de ficarem a pairar suspeitas de amiguismo e clientelismo, justas ou injustas, como acabou por lhe acontecer. Das duas uma: ou Lacerda Machado é muito ingénuo – e aí talvez não seja assim tão bom estar encarregue de representar o Estado – ou é mais uma tirada daquelas com que nos querem fazer de parvos.

paula.azevedo@sol.pt