Sobrinho de Lula: empresa investigada no Brasil omitiu contas em Portugal

A Exergia Portugal tem um braço no Brasil que é suspeito de participar num esquema que visava beneficiar a Odebrecht em obras internacionais. A Operação Janus investiga ainda o pagamento de luvas numa teia que volta a envolver o ex-presidente Lula da Silva

A empresa portuguesa investigada no Brasil por deter – juntamente como um sobrinho de Lula da Silva – a Exergia Brasil (suspeita de ser intermediária de luvas) está em incumprimento também em Portugal. Segundo uma investigação conjunta do i e do jornal brasileiro “O Estado de São Paulo”, além das suspeitas do MP brasileiro de envolvimento num alegado esquema de tráfico de influências internacional para beneficiar a Odebrecht, a Exergia Portugal foi também apanhada pelo fisco português por não apresentar contas desde 2010.

Consequência ou não da Operação Janus (Brasil), a verdade é que foi no preciso dia em que aconteceram duas detenções em São Paulo – na última sexta-feira – que a Conservatória do Registo Comercial de Lisboa decidiu iniciar uma dissolução administrativa, com a justificação de que a Exergia Portugal já não apresentava há vários anos as suas contas anuais.

“O procedimento de dissolução foi iniciado após uma comunicação das Finanças”, explicou uma fonte do Instituto dos Registos e Notariado que preferiu não ser identificada. A mesma fonte esclareceu que, caso a empresa não se pronuncie dentro do prazo ou não entregue todas as contas em falta, o processo de encerramento demorará apenas alguns meses.

Esta sociedade anónima tem como administrador único João Manuel Pinto Germano, um advogado que é referido pela investigação como tendo ligações ao PS e ao antigo primeiro-ministro José Sócrates.

Contactada ontem, fonte da Exergia disse não haver autorização para responder a qualquer questão relacionada com este caso, referindo apenas que a empresa, sediada no Parque das Nações, em Lisboa, continua com o seu normal funcionamento. O escritório de João Pinto Germano também não enviou qualquer declaração até à hora de fecho desta edição.

Fortes indícios Após as diversas diligências e escutas telefónicas a nove arguidos, os investigadores da Operação Janus consideram ter já reunido “fortes indícios de irregularidades e de condutas, em tese delituosas”, praticadas por alguns agentes com o objetivo “de, no mínimo, dissimular e ocultar valores de origem ilícita”.

O esquema era simples: os tais valores de origem ilícita seriam pagos pela Odebrecht a empresas subcontratadas com a justificação de que estas iriam realizar obras, mas, no fim, os valores serviriam para pagamento de luvas.

Um dos casos que está debaixo de todas as atenções da investigação é a contratação da Exergia Brasil – uma pequena filial da Exergia Portugal que nem funcionários tem – para fazer obras de remodelação na hidroelétrica de Cambambe, em Angola. A empresa do sobrinho de Lula, Taiguara Rodrigues dos Santos, foi subcontratada por cerca de um milhão de euros. Para esta obra, a Odebrecht contou com um financiamento de 464 milhões de dólares do Banco Nacional de Desenvolvimento do Brasil.

A Procuradoria da República de Brasília já assegurou que o objeto desta investigação passa também por apurar “se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva praticou tráfico internacional de influência em favor da construtora Odebrecht”.

As empresas suspeitas Tanto a Exergia Portugal – Projetos de Engenharia como a sua filial brasileira, detida em parte por Taiguara, levantaram algumas suspeitas aos investigadores brasileiros. E é a empresa nacional que leva as autoridades daquele país a acreditar que o esquema inicialmente circunscrito a África e à América Latina possa, na verdade, ter também metástases na Europa.

Além de empresas brasileiras de Taiguara dos Santos e da ligação a Portugal, outra das pistas que está a ser passada a pente fino é uma sociedade também detida pelo sobrinho do ex-governante em Angola.

E esta ponta cruza-se novamente com a Exergia Portugal, de que fez parte até 2006 Hélder Beji, um cidadão angolano que já exerceu funções no Tribunal de Contas daquele país e que foi naturalizado brasileiro durante a era de Dilma Rousseff. Esta ligação entre os três países terá sido, aliás, um dos temas do interrogatório feito a Taiguara dos Santos.

O envolvimento de Lula Apesar de ter deflagrado agora, a Operação Janus abrange também o período de 2003 a 2010, em que estava em funções Lula da Silva. O ex-presidente, acreditam os investigadores, terá favorecido a empreiteira em obras de grande dimensão em países como Angola, Cuba, Venezuela e Panamá.

Lula da Silva, segundo apurou o i e “O Estado de São Paulo”, ainda não terá sido ouvido porque os inspetores da Polícia Federal querem analisar toda a informação recolhida nas diligências de sexta-feira antes de chamar o ex-presidente do Brasil.

Reação do ex-presidente Em comunicado, o Instituto Lula já reagiu à Operação Janus: “Há mais de um ano, alguns procuradores da República no Distrito Federal tentam, sem nenhum resultado, apontar ilegalidades na conduta do ex-presidente Lula.”

Ilegalidades que o Instituto afirma nunca terem existido. “Os procuradores vasculharam as viagens internacionais de Lula, quem o acompanhou, os hotéis em que se hospedou, com quem ele conversou no exterior”, refere a mesma nota, concluindo que “o resultado [da investigação] apenas comprova que Lula sempre atuou dentro da lei, em defesa do Brasil, como fazem ex-presidentes em todo o mundo.”

A Odebrecht e Portugal As suspeitas agora levantadas por esta nova investigação brasileira parecem ir ao encontro da Operação Marquês. No inquérito português, que tem José Sócrates como principal arguido, o Ministério Público também investiga ligações entre o ex-primeiro-ministro e a construtora Odebrecht, com a qual Lula terá uma relação privilegiada.

Tudo começou quando o MP português descobriu que foi esta empresa que pagou a viagem ao ex-presidente do Brasil para estar presente em Portugal aquando da apresentação do livro de José Sócrates, em outubro de 2013.

Além disso, a construtora detém atualmente a Bento Pedroso Construções que, juntamente com o Grupo Lena, integrava o Consórcio Elos – o mesmo que venceu o concurso para a construção do troço do TGV Poceirão-Caia. E não foi caso único. Foi também o consórcio de que faziam parte as duas empresas que venceram a concessão do Baixo Tejo, uma das parcerias público-privadas. Mais tarde acabaram por assinar ainda um contrato para a construção da barragem do Baixo Sabor.

A Operação Janus vem, assim, apertar ainda mais o cerco montado pelas investigações Lava Jato (Brasil) e Marquês (Portugal) aos responsáveis das duas empreiteiras.

O presidente da construtora brasileira Odebrecht foi já detido pelas autoridades daquele país por suspeitas de estar envolvido no esquema que terá levado a um prejuízo de mais de dois mil milhões de euros para a estatal Petrobras. E em Portugal, o administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca também já foi detido e aguarda agora em liberdade pelo desenrolar da investigação. Além deste, Carlos Santos Silva, ex-administrador do grupo de Leiria e amigo de José Sócrates, chegou a estar em prisão preventiva, estando atualmente apenas proibido de se ausentar de Portugal sem autorização prévia.