Marcelo põe água na fervura

A meio da tarde de ontem uma frase do Presidente da República apontava as autárquicas de 2017 como um momento crítico que podia levar a um novo ciclo político. As declarações caíram mal à esquerda e à direita. E de madrugada Marcelo falou ao Observador para pôr água na fervura.

Marcelo põe água na fervura

“Não acho que o Governo vá cair [por causa das autárquicas]", acabou por afirmar ao Observador, tentando enquadrar as declarações que deram polémica.

Durante a tarde de ontem tinha dito: "Desiludam-se aqueles que pensam que o Presidente da Repúblicas vai dar um passo sequer para provocar instabilidade neste ciclo que vai até às autárquicas. Depois das autárquicas, veremos o que é que se passa. Mas o ideal para Portugal, neste momento, é que o governo dure e tenha sucesso”.

A meio da noite contextualizava. “Eu já tinha dito isso, não era uma novidade. O Governo dura uma legislatura, mas em Portugal há uma tradição de as autárquicas terem uma leitura nacional. Já houve vários casos”, sublinhava, tentando tirar gás a uma polémica que fez estragos à direita e à esquerda.

À esquerda foi notório, embora apenas em off, o desconforto com a expressão pública de uma tese que alguns socialistas e bloquistas há muito desenvolvem sobre o facto de o Presidente estar à espera que uma derrota do PSD nas autárquicas de 2017 leve a mudanças na liderança do partido que farão depois mudar a relação entre Belém e São Bento.

À direita, Pedro Santana Lopes não deixou passar em branco a polémica declaração de Marcelo Rebelo de Sousa.

“Vivemos tempos originais”, observou ontem à noite na SIC Notícias, aquele que chegou a ser visto como possível candidato à Presidência

“É uma originalidade dizer assim: ‘Até às autárquicas não faço nada e depois logo se vê'”, apontou Santana, chegando mesmo a dizer que Marcelo goza de uma popularidade que o permite ir tão longe e defendendo que “levava-se muito a mal” se tivesse sido Cavaco Silva a fazer tal afirmação.

Ainda assim, Santana Lopes reconhece que  “Costa sabe que o que Marcelo está a dizer é verdade”.

Marcelo traduz Marcelo

De facto, a percepção à direita e à esquerda é a de que Marcelo apenas disse em voz alta algo que há muito se comenta nos bastidores.

Ainda assim, o facto de ter sido dito pelo Presidente da República que o ciclo político pode mudar depois das eleições autárquicas tem impacto.

Tanto que Marcelo sentou necessidade de se explicar ao Observador.

“Quer Pedro Passos Coelho quer António Costa são duros e resistentes”, frisou, depois de aludir a outras alturas na história em que derrotas autárquicas fizeram cair lideranças para justificar as suas palavras.

Qual foi, então, a razão para dizer o que disse? “Foi para se perceber que estava fora de causa nestes dois anos haver instabilidade. E depois também era desejável que não houvesse. Como havia grande especulação sobre certas leis, queria dizer que nada se alterou significativamente desde o começo da legislatura e das minhas funções. A maioria está estável”.

A explicação é confusa, mas alude à notícia do Expresso segundo a qual o Presidente se preparava para vetar a lei das 25 horas de trabalho na Função Pública que só será votada no Parlamento na sexta-feira e à pressão que tem sido feita por grupos de direita conservadora para um veto presidencial à lei da maternidade de substituição.

No entanto, até ontem Marcelo apontar para um novo ciclo político depois das autárquicas, não estava em cima da mesa a ideia de que eventuais vetos pudessem levar a instabilidade política, apesar de ser notório que nas últimas semanas a relação entre Belém e a esquerda ficou mais tensa.

É a segunda vez que Marcelo tem de se explicar

De resto, esta é a segunda vez que Marcelo sente necessidade de explicar o que diz para acalmar o clima à esquerda.

Na semana passada, depois de se referir ao "otimismo crónico às vezes ligeiramente irritante" do primeiro-ministro, veio explicar que se vê como um "otimista racional" por contraponto ao "otimista militante" que vê em António Costa, desdramatizando uma frase que não caiu bem à esquerda.

“Marcelo Rebelo de Sousa tem sido impertinente a falar do primeiro-ministro e a dar sinais políticos muito orientados para satisfazer aquilo que ele julga ser o eleitorado de uma direita alargada", comentava no fim de semana o dirigente do PS Porfírio Silva no Facebook.