‘Old Meets New’, a nova exposição de Paula Rego

Aquilo de que Paula Rego gosta mesmo é de contar histórias. Não o faz com letras, palavras, frases, mas antes com riscos e cores. Com os seus bonecos, como costuma dizer. Os mesmos que faz desde criança. «Eu não sou uma intelectual, nunca fui. Só faço, e continuo a fazer, bonecos e desenhos como quando…

‘Old Meets New’, a nova exposição de Paula Rego

Apesar de ser, ela própria, uma contadora de histórias, as histórias de Paula Rego partem, na maioria das vezes, da obra de escritores, os seus companheiros de viagem favoritos. Como Hélia Correia, a quem recentemente dedicou uma série de quadros. Ou como Eça de Queirós, o seu «favorito», por ser «o mais português» de todos os escritores, e o responsável pela sua obra favorita: O Crime do Padre Amaro.

É, de resto, Eça de Queirós – nomeadamente as suas obras A Relíquia e O Primo Basílio – que serviu, uma vez mais, de ponto de partida para Paula Rego, na criação de algumas das obras inéditas que agora (e até 30 de outubro) mostra em ‘Old Meets New’, no espaço da Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais.

Nesta exposição, a pintora de 81 anos apresenta parte da sua produção mais recente, realizada entre 2013 e 2015, e na qual se incluem as já referidas séries inéditas A Relíquia e O Primo Basílio, ambas inspiradas nos romances homónimos de Eça de Queirós, mas também a série D. Manuel, o Último Rei de Portugal e ainda outra dedicada à mutilação feminina, um tema recorrente na obra de Paula Rego, há já largos anos.

Durante uma muito concorrida apresentação à imprensa – afinal, não é todos os dias que se tem a oportunidade de conhecer uma exposição de Paula Rego guiada pela própria – e perante o presidente da câmara de Cascais, Carlos Carreiras, e, ainda, da curadora da mostra, Catarina Alfaro, Paula Rego não disfarçou o entusiasmo de regressar à obra de Eça de Queirós. E conta ainda que, para criar estas séries de pintura que agora apresenta – onde o pastel e o óleo surgem como técnicas combinadas –, confessa ter regressado inúmeras vezes aos livros. «Li-os muitas vezes». E a cada regresso, sentiu que voltava sempre à juventude e aos avós e ao gosto pela leitura que lhe incutiram.

Este mesmo entusiasmo, quase infantil e marcado por um sorriso rasgado que parece nunca abandonar o rosto da artista plástica radicada em Londres, parece ser o mesmo que ainda leva Paula Rego, todos os dias, ao seu ateliê na capital inglesa. É ali que diariamente pinta os seus «bonecos», sempre acompanhada por música. De manhã, ao som de ópera – «oiço a Traviata, o Rigoletto, a Aida…» – à tarde é a vez do fado – «a Amália e o Camané».

É ali, no seu ateliê, que se sente bem, que se sente no seu mundo, como uma criança, a brincar. Ainda que por vezes seja tomada de assalto por dúvidas. «Às vezes custa-me um bocado porque não tenho bem a certeza do que é que estou a fazer e sinto-me aflita. Sobretudo desde que não tenho o meu marido. Ele ajudava-me muito».

Era ao marido – o também artista plástico Victor Willing – que Paula pedia conselhos acerca do seu trabalho, mesmo até ao momento da sua morte, em 1988. «Ele estava na cama, entrevado, e eu levava-lhe os quadros, enrolados, e pendurava-os no teto do quarto, por cima da cama e ele dizia-me o que achava. O que não estava bem eu deitava tudo fora. Segui sempre os conselhos dele. Agora, o meu filho ajuda-me, mas não tenho ninguém como tinha o meu marido».

Tal como conquista com as suas histórias visuais, os seus bonecos, Paula Rego conquista também com a forma desbragada, quase despudorada como fala. Do seu trabalho, da sua vida, dos seus afetos, das suas memórias. A sua cabeça parece nunca parar. E tudo aquilo em que pensa parece ter o potencial de ganhar forma de quadro. É que a artista plástica ainda parece estar longe de arrumar os pincéis. Essa é, pelo menos, a sua vontade, como disse ao presidente da câmara de Cascais, quando o informou que já tinha no ateliê mais oito quadros prontos para oferecer à Casa das Histórias. E que quer continuar a pintar. Com a mesma sofreguidão com que uma criança pinta os seus bonecos. «Já sou velha, tenho 81 anos, não sei quantos mais anos ainda tenho. Há pessoas que vivem muitos mais anos, mas eu não sei se ainda tenho muito tempo, mas se tiver quero pintar. Pintar muito mais, pintar melhor. Ainda quero poder contar muitas histórias».