Esquerda irritada com Marcelo

Há muito que na ala esquerda dos corredores da política se comentava a teoria segundo a qual Marcelo esperava pelo resultado das autárquicas e as suas eventuais consequências na liderança do PSD para mudar a relação com a geringonça e aumentar a pressão sobre António Costa. O que ninguém esperava era que o Presidente o…

Esquerda irritada com Marcelo

Por isso, quando Rebelo de Sousa corrigiu a ideia de que a turbulência virá depois das eleições locais, garantindo que não está à espera que o Governo caia nessa altura, a correção presidencial foi recebida com ironia pela esquerda. «Ele diz-se e desdiz-se. Vamos ver o que diz a seguir», comentava ao SOL um alto dirigente socialista.

«Ainda está a agir como comentador. Pensei que ia ser mais contido», reagia outro dirigente do PS, admitindo mais surpresa pela forma e pelo timing do que pelo conteúdo. «Para nós é melhor. Fica tudo mais evidente», dizia, numa alusão à tese da esquerda sobre as intenções do Presidente que Porfírio Silva expôs no Facebook.

«Acho que a sua tática atual visa conseguir a substituição da direção do PSD – e não acho que um Presidente deva agir para obter certas configurações na estrutura de um partido, qualquer que seja esse partido. E isso não me parece menos grave lá por o partido em questão não ser o meu. De qualquer modo, o tique de simpatia de Marcelo Rebelo de Sousa não passará de um compasso de espera, visando dar tempo à chegada do PSD ao ‘ponto de rebuçado’ para a sua própria emergência como principal ator da direita portuguesa», analisava o deputado socialista no fim de semana, ainda antes das declarações de Marcelo que apontava as autárquicas de 2017 como um ponto de viragem do ciclo político.

Não é, porém, só no Facebook ou em conversas de bastidores que há reparos à atuação interventiva do novo Presidente. Nas moções que António Costa e Catarina Martins vão levar aos congressos dos respetivos partidos está espelhada esta desconfiança da esquerda em relação a Marcelo.

Costa recorda que a designação do sistema português como «semipresidencialista» é «equívoca». E frisa na moção que levará ao Congresso do próximo fim de semana que o sistema está desenhado para ter o Parlamento, respondendo o Governo «politicamente, e em exclusivo, perante a Assembleia da República, a cuja fiscalização política naturalmente se submete».

Catarina Martins é ainda mais clara e fala numa «tentativa de presidencialização do regime político que marca o início do mandato do novo Presidente da República». A líder bloquista vê nos seus apelos a entendimentos «pressões» que «visam repor as relações históricas e o alinhamento à direita dos partidos da alternância». Por outras palavras, o BE vê em Marcelo a tentativa do regresso ao arco da governação que a geringonça conseguiu afastar do léxico político.