Polícia italiana acredita que dinheiro ilegal era lavado em Portugal

Portugal estava no centro de uma mega rede de branqueamento de capitais e evasão fiscal investigada em Itália, mas com ramificações em diversos países europeus. Um grupo organizado criava empresas fictícias para onde canalizava os bens de sociedades em pré-falência, impossibilitando que os mesmos servissem para pagar aos credores. 

Prometiam aos empresários desesperados uma solução para a difícil situação das suas empresas, mas na prática estavam a roubar-lhes os bens que ainda restava. Em alguns meses, os suspeitos lucraram vários milhões de euros, num esquema que, sendo relativamente simples, se tornou complexo dada a “vocação transnacional”.

Segundo o SOL apurou, as empresas de fachada onde os bens das sociedades em dificuldades acabavam eram criadas fora de Itália, algumas em Lisboa, onde parte do dinheiro acabou por ser lavado.

“As empresas fictícias eram deslocalizadas para Albânia, Espanha e Eslovénia e Portugal, que eram braços do branqueamento. O dinheiro passava por aqui ou acabava mesmo depositado em contas de bancos nacionais”, explicou ao SOL fonte da Polícia Judiciária, adiantando que em causa está um modus operandi conhecido das autoridades portuguesas: “É o esquema das empresas fictícias que temos cá. Estas empresas recebiam de fornecedores efetivos, verdadeiros – recebia bens, serviços e créditos – e depois, quando era pedida a insolvencia, não pagavam. Entretanto, os bens eram dissipados para outras empresas. O esquema é normal, mas neste caso falamos numa grande escala”.

As empresas de fachada tinham assim o objetivo de emitir e receber faturas falsas de modo a justificar os fluxos de capital. Com essa operação, o dinheiro ganhava uma aparência legal, porque era usado em negócios legais, que davam um retorno financeiro aos suspeitos. Um branqueamento com alguma complexidade, garantem fontes da PJ.

Coordenação das polícias

A organização criminosa estava a ser seguida há cerca de um ano pelas autoridades italianas e dadas as características dos crimes foi decidido que as buscas acontecessem hoje em simultâneo em diversos países europeus, incluindo Portugal.

Segundo as autoridades italianas, o esquema pressupunha que, com as empresas fictícias sedeadas num outro país, os suspeitos pudessem continuar a operar blindados das queixas dos credores. As autoridades daquele país asseguram ainda que a teia foi montada para ajudar a contornar as leis de falência italianas, adiantando que os crimes levaram à perda de vários milhões de euros em impostos.

Parte desse dinheiro ilegal gerado com atividades das empresas noutros países acabou depositado em contas de bancos portugueses tituladas pelas empresas agora suspeitas.

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal, com o apoio da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária, realizou hoje seis buscas e bloqueou saldos de 77 contas em diversos bancos. “Estamos a falar das contas onde estava o dinheiro proveniente dessas atividades”, explica fonte da PJ.

Segundo a investigação italiana, a rede, com fortes ligações a Itália, operava de forma muito organizada usando as ramificações que tinha nos diversos países envolvidos – Albânia, Eslovénia e Espanha. De acordo com fonte oficial da Polícia Judiciária, a carta rogatória expedida pelas autoridades italianas sustenta que existem fortes indícios da prática dos crimes de “branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada, insolvência dolosa e associação criminosa”.

Buscas a casas e advogados

Em Portugal, além das buscas domiciliárias, foram ainda levadas a cabo diligências em automóveis e num escritório de advogados. Durante os trabalhos foram apreendidos diversos documentos relevantes para o inquérito, material informático e ainda um automóvel.

Participaram na chamada “Operazione Barqueiro 24 elementos da Polícia Judiciária, um procurador e um juiz de instrução criminal e ainda dois elementos da Guardia di Finanza”.

Segundo informação recolhida junto das autoridades italianas foram realizadas nos restantes países envolvidos “43 buscas, todas em simultâneo”.

Em Itália, foram mesmo detidas 6 pessoas, além de terem sido apreendidos bens e valores “que totalizam 11 milhões de euros, incluindo um hotel”.

Suspeitos em Portugal

Segundo o SOL apurou, um dos três suspeitos de liderarem o grupo contaria com apoio de três ou quatro pessoas em Lisboa, entre as quais a sua companheira. Esses ajudantes terão sido interrogados pela Polícia Judiciária.

A grande importância de Portugal no esquema é visível se se tiver em conta que, das 150 contas bancárias bloqueadas nos diversos países, mais de metade (77) foram em Portugal.

“Todos os trabalhos pedidos pelas autoridades italianas nesta rogatória já foram feitos. O expediente já foi para lá – tudo foi feito com muita agilidade –, resta agora saber se depois surgem mais diligências que gostavam de ver realizadas aqui”, esclareceu fonte da PJ.

A “Operazione Barqueiro” iniciou-se há cerca de um ano em Itália, tendo o contributo da Eurojust em articulação com o DCIAP. Segundo a Procuradoria-Geral da República, a autorização para que se deslocassem a Portugal dois elementos da Polícia italiana foi concedida “ao abrigo dos instrumentos legais de cooperação”.

Num comunicado, a polícia italiana salientou o “perigo e gravidade” da forma de atuação da organização.