opovo português, ao contrário do que alguns afirmam, revê-se nos partidos políticos e sabe que são essenciais na democracia contemporânea. para uma certa concepção de estado – que não corresponde à minha –, este representa o povo burocraticamente organizado. o partido constitui o povo politicamente organizado. é um projecto nacional que parte do povo propõe à globalidade, para dar sentido, alma, ao estado. há que separar este conceito – projecto nacional – do oportunismo ou totalitarismo. de um lado, projecto nacional, temos a proposta de promoção de interesses reais do povo português. do outro, meios de defesa de interesses transitórios de sectores minoritários do povo. e também movimentos ao serviço de grupos que pretendem impor, de modo ‘definitivo’, os seus interesses ao conjunto do povo. para os oportunistas, e sobretudo para os totalitários, todos os outros partidos são reaccionários ou alienados. reaccionários por constituírem, afirma-se, obstáculos à linha histórica (definida pelos totalitários) de progresso do povo. alienados por estarem ao serviço, afirma-se, de interesses alheios a esse progresso. naturalmente que sucede que os movimentos totalitários, fechados em crenças e princípios dogmáticos indemonstrados, cada vez se fecham mais ao progresso histórico e se tornam ‘reaccionários’. e que qualquer partido que se não se renove constantemente em pessoas e em ideologia é ‘capturado’ pelos seus próprios dirigentes e se torna oportunista. estando sempre disposto a ceder alguma coisa – imposta pela oportunidade – para que tudo se mantenha ao serviço dos interesses dos seus dirigentes.
nas fases fundacionais da democracia é inevitável que o partido seja constituído por uma minoria da população, constituindo a vanguarda desta na luta pela liberdade e pelo progresso. à medida que a luta for evoluindo e a ‘estabilidade’ for adquirida, a grande maioria da população identificar-se-á com a necessidade nacional de progresso assumida em termos diversos pelos vários partidos. vamos um pouco em frente. não está – nem pode estar – no programa de qualquer partido democrático a apropriação de todas as actividades do povo, económicas, sociais, culturais ou políticas. tal apropriação levaria a um gigantismo ineficiente e ao diminuir da liberdade e da autonomia individuais. pelo contrário. antes do estado e do projecto assumido pelos partidos, estão as pessoas e a sociedade. o estado e os partidos estão ao serviço destes, dos eleitores. estes não podem ser simples árbitros no momento das eleições, mas têm de ter a maior parte da vida pública (económica, cultural, etc.) reservada a si mesmos e à sua iniciativa. devem ser eles os únicos actores e autores da vida colectiva, embora o façam através de instrumentos diversos, entre os quais os partidos e o estado.
assim, a economia deve manter-se nas mãos dos cidadãos; apoiar-se-ão as pequenas e médias empresas, espelhos das iniciativas (e do risco) individuais. e as grandes empresas deverão ser sociedades anónimas abertas à participação de todos e ao serviço de todos. exigir-se-á controlo efectivo por todos os seus accionistas e constante responsabilidade social. a economia será regulada por entidades independentes. o desejo do progresso individual e colectivo deve ser o motor da economia, vindo a substituir o espírito da maximização do lucro. tal como, a nível do estado, a opressão burocrática deve dar lugar ao espírito de serviço. a nível financeiro, o ultrapassar de certo limite do produto interno pela carga fiscal será um sinal de alerta contra a tendência opressiva e totalitária. é difícil haver uma sociedade livre quando o estado (ou as grandes empresas) detêm o poder económico. a justificação da concentração de muito elevados capitais deve procurar-se na eficiência e no serviço público, e controlar-se através de regulação adequada.
neste quadro se insere a frequente tentativa de monopolização do estado e da economia pelos governos e sua clientela. sucede que todos os cargos públicos, administrativos ou políticos, bem como as funções privadas de interesse social, só se merecem uma vez provado constantemente que se é o mais digno delas. e os dirigentes políticos, dos partidos ou do estado devem estar acima das preocupações materiais. deve ser-lhes assegurado o suficiente para uma existência digna e eles não pretenderem mais. há que romper radicalmente com a concepção que se tem dos políticos. estes têm de deixar de estar acima do povo, como o rei do antigo regime: ‘destronem-se’ os políticos que ainda gozam de um estatuto e de uma autoridade incompatíveis com a sua natureza de representantes eleitos. mas para isso é necessário que o estado deixe de ser visto como estando acima das pessoas e da sociedade; tem de ser reduzido de estatuto e de peso (económico, financeiro, administrativo). só sendo reduzido de dimensão poderá ser o seu estatuto limitado. só assim acabará o “défice” democrático existente.
o estado – e os seus agentes – têm de deixar de ser vistos como um pai a quem tudo se pede e de quem tudo se espera; mas só como um instrumento – um dos instrumentos – de prossecução dos fins públicos. e os políticos como funcionários. a partir daqui; ‘viva o estado’. e o povo amará os seus políticos.