dei por mim a rir com as perninhas do hélio a dar a dar no meio da erva seca junto à estrada. não são todas as quedas que têm piada: talvez só as que acontecem na sequência de um acto de temeridade.
é por isso que jackass, uma série da mtv em que um grupo de rapazes arrisca a vida em actos parvos, tem tanto sucesso. o público quer ver o risco escusado a ser devidamente punido pelas boas e velhas leis da gravidade. isto partindo do princípio de que o público não é sádico nem quer assistir à morte de ninguém. nem de johnny knoxville, o rei dos parvalhões.
o riso também é de alívio por hélio se ter levantado com as perninhas intactas e por knoxville, contra todas as expectativas, continuar vivo e mais ou menos inteiro.
penso que haverá apreciadoras do género masculino tonto. é a atracção pelo oposto em todo o seu esplendor, pois a imprudência é uma característica muito mais masculina que feminina. há mulheres que acham graça ao disparate. outras preferem homens prudentes. são mais raros, mais inteligentes, mais perigosos. mais femininos.
o chato
o que têm em comum a dívida trilionária norte-americana e as privatizações das empresas públicas em portugal? os comentadores portugueses dominam ambos os temas. aviso que não sou capaz de imaginar subidas de tectos devedores e não faço a mais pequena ideia do que é preciso fazer para tornar uma empresa pública numa empresa privada.
posso, no entanto, dizer duas ou três palavras sobre perder seguidores no twitter. fiquei agradavelmente surpreendida quando ouvi o presidente dos estados unidos a incitar à participação dos cidadãos no twitter no sentido de pressionarem democratas e republicanos a chegarem a acordo. mas pouco depois deste pedido, li no washington post que milhares tinham desistido de seguir a conta @barackobama.
ora, qual é o motivo principal para deixar de seguir alguém no twitter? no meu entender, é a torrente de tweets diários. é como ter alguém ao lado que não pára de falar. cerca de trinta mil pessoas, que deixaram de seguir obama após a sua conta ter emitido cem tweets num dia, partilham da minha opinião. algumas acusaram obama de ter inundado as contas de spam e não hesitaram em clicar no simpático ‘unfollow’. ninguém quer seguir um chato.
já não há homens
l i no new york times um artigo sobre os arquétipos masculinos no cinema americano e concluí que os homens já não são sexy. segundo a. o. scott e manohla dargis as personagens masculinas na tela variam entre o bebé grande, o bravo adolescente, o solteiro, o marido, o herói e o totó. todos são apresentados como figuras assexuadas e distantes das mulheres.
o bebé grande, como zach galifianakis, em a ressaca 2, é um gorducho com uma sexualidade fofa. o bravo adolescente é o harry potter, que está mais interessado nos amigos e na tralha mágica do que na rapariga. o solteiro é invejado pelos amigos casados por causa das mulheres que vai tendo. mas o destino do solteiro nas comédias românticas é passar a marido.
uma vez transformado em marido, a actividade sexual do ex-solteiro (pouca, nada de loucuras) é subjugada pela mulher, que o torna um ser doméstico e protegido das malandras que andam por aí de patins em biquíni. dir-se-ia que o herói seria arrebatado e apaixonado, mas não. só salva ou vinga meninas. por fim, temos o totó de quem nunca podemos esperar nada. nem na rede social o mago do facebook fica com a rapariga. ah, meu querido marlon brando…
a perfeição existiu
a publicação de uma biografia da actriz austríaca hedy lamarr, née hedwig eva maria kiesler, foi celebrada com um longo artigo no london review of books. em ‘hedy lamarr: the most beautiful woman in film’, de ruth barton, que ainda não li, é contada a história peculiar de vida de uma mulher lindíssima e brilhante, que não sabia representar. nunca vi nenhum filme com lamarr nem sabia da sua existência até um dia me aparecer uma cara maravilhosa no google images.
era parecida com vivian leigh, mas sem o nariz no ar. era mais sexy e parecia mais fria. quem seria? era uma actriz amada por hollywood e a inventora de um sistema de despistagem de mísseis e radares. era uma ave rara da década de 30. no artigo do lrb é contado que durante as filmagens de ‘ecstasy’, o filme que a tornou célebre (não por causa da qualidade de representação mas porque simulava um orgasmo), lamarr tinha de repetir as falas em três línguas: alemão, francês e checo. sabia francês, mas aprendeu checo em poucas semanas. e aprendeu a língua com tal fluência que traduziu para o realizador. vou comprar o livro para saber se era uma angustiada. talvez tenha sido mesmo só perfeita.
tango em são mamede
conheci o músico de tango ramón maschio no passado fim-de-semana no bar bartelby, em lisboa, onde encantou um grupo reduzido de espectadores. pouco foi também o tempo de duração do espectáculo: cerca de meia hora. é sempre assim. é quando queremos ouvir mais que o outro se cala.
mas os minutos de puro virtuosismo na guitarra que ramón maschio nos ofereceu ficarão na memória dos presentes. começou com uma interpretação de ‘volver’, de gardel. não ter cantado não impediu os sabedores da letra de reconhecerem cada sílaba do tango tocado na guitarra. seguiu para um tema que me pareceu meio brasileiro e amilongado, vagamente fadisteiro, mas que afinal era um tango de 1926, chamado ‘el abrojito’. anibal troilo, roberto grela, piazolla… tocou ‘niebla del riachuelo’, que conhecia na voz intensa de edmundo rivero.
tocou depois um tema de folclore argentino, cujo título não fixei, mas do qual gostei tanto como dos anteriores. terminou com um tema da sua autoria, em que mostrou as suas referências e foi original. ramón maschio toca com a fadista mafalda arnauth. estou por isso confiante de que voltará a portugal para nos oferecer pelo menos mais meia hora do seu talento.