como diz uma placa na casa natal: ‘o seu génio tímido e solitário escrutinou e iluminou os segredos do universo como o brilho de um meteoro precocemente desaparecido de entre nós, em março de 1938, deixando-nos o mistério do seu pensamento’.
o seu tutor, o italiano enrico fermi, um dos maiores físicos do século xx, colocou-o nos píncaros da ciência, ao lado de galileu e newton, e, portanto, acima dele próprio. majorana era um prodígio no cálculo mental e fermi, numa disputa para ver quem fazia mais depressa contas complicadas, nem ajudado por uma régua de cálculo o conseguiu bater. o professor ficava irritadíssimo quando via o discípulo garatujar num maço de cigarros uma nova ideia científica, expressa em belas equações, e, no fim de fumar, deitar o maço ao lixo.
a majorana bastava o prazer solitário da descoberta, não sendo necessário o reconhecimento dos pares. fermi e os seus outros alunos eram extrovertidos, discutiam muito, competiam entre si para serem os primeiros. mas o siciliano preferia a contemplação, o recolhimento e o silêncio. ele era o único que conhecia o mistério da sua mente.
o físico português joão magueijo, professor no imperial college de londres, acaba de publicar, em português, na gradiva, uma biografia do enigmático sábio: o grande inquisidor. o autor revela-se, nesse livro, fascinado pela vida e pensamento de majorana e tenta penetrar no mistério. tenta compreender o génio, criativo e extravagante. porquê grande inquisidor? pois a famosa escola de fermi foi fundada, na roma de mussolini, por um senador, em geral ausente, a quem chamavam deus. fermi era o papa, o representante de deus na terra.
e majorana só podia ser inquisidor pois se comprazia em pôr tudo e todos em causa. apesar de resistir à publicação, a sua originalidade ficou bem patente numa teoria quântica relativista alternativa à do inglês dirac, num modelo das forças nucleares paralelo ao do alemão heisenberg e na proposta de um neutrino diferente do que foi concebido pelo austríaco pauli e baptizado por fermi. todos estes foram grandes nomes da física moderna e com todos eles majorana pediu meças.
a lenda de majorana ganhou proporções maiores quando ele desapareceu, sem deixar rasto, depois de ter deixado uma nota de despedida à família: ‘recordem-me, se puderem, nos vossos corações, e perdoem-me’. ter-se-á deitado ao mar num navio entre palermo e nápoles, mas não se sabe ao certo.
tcarlos@uc.pt