Será o euro demasiado grande para cair?

Em dez anos tornou-se a segunda moeda mundial e gerou a maior economia global. Mas, em poucos meses, o fim do euro passou a ser equacionado. A 15.ª cimeira para o salvar é em Janeiro

poucos dias após a 14.ª cimeira decisiva e o quarto acordo em ano e meio para resolver a crise da dívida soberana na zona euro, as brechas entre os seus líderes voltaram a abrir-se e uma solução parece cada vez mais distante (ver primeiro caderno). só esta semana, o euro afundou para um mínimo de 11 meses. os juros da dívida portuguesa voltaram a subir, a itália pagou de novo preço recorde para emitir dívida (6,5%) e as três agências de rating (s&p, fitch e moody´s) alertaram que todos os países do euro estão em risco de perder os ratings actuais.

as incertezas começaram a surgir em todos os pontos do acordo: países fora da zona euro, como a república checa, a hungria, a suécia e a dinamarca vieram a público dizer que poderão ter de consultar os seus parlamentos para aprovarem o acordo europeu que introduz limites, regras e sanções para as contas públicas. dentro da moeda única, o governo irlandês está a sofrer pressões para levar o acordo a referendo que, tal como na grécia há dois meses, se tornaria numa ‘consulta’ sobre a permanência do euro.

a saída de membros e a implosão da moeda única europeia são cenários que ganham terreno a cada dia. estará o euro hoje na mesma situação que a seguradora aig estava para os eua em 2008: too big to fail?

quatro anos de crise

a crise da dívida soberana é uma réplica do ‘terramoto’ da crise do subprime nos eua, em 2007 – que originou a crise bancária, com a queda do lehman brothers em 2008 –, seguida de uma crise económica mundial, em 2009. desde meados de 2010 que o ‘terramoto’ se transformou também numa crise bancária e financeira.

apesar de esta última cimeira ter revelado as fragilidades do euro – união monetária assente numa ‘desunião’ económica e fiscal –, os líderes europeus sabem que o que têm em mãos – o euro – é agora demasiado grande para deixar cair e do qual nem existem mecanismos para sair. como ironizava um analista do ubs, o euro é como o famoso hotel california dos eagles: you can checkout any time you like, but you can´t never leave.

o futuro dirá se os tempos actuais são o princípio do fim ou apenas uma ‘dor de crescimento’ de uma moeda cuja dimensão e sucesso não tem paralelo. em apenas dez anos, o euro tornou-se na segunda maior divisa internacional, a estabilidade que proporcionou nos preços tornou a região na maior economia mundial e quase metade (40%) das transacções financeiras diárias são feitas em euros.

fim é «suicídio»

o fim da zona euro foi descrito como «suicida» pelo banco francês bnp paribas e como tendo «consequências inimagináveis» pelo suíço ubs, que realizou um estudo sobre o impacto desse cenário. a lista de danos é longa: falência do sistema bancário europeu, queda a pique do comércio mundial, primeira contracção da economia global desde a segunda guerra mundial, refundação do projecto europeu, deslocação do poder mundial para leste – china e restante ásia –, perda do estatuto de potência no mundo. o controlo de capitais e o encerramento de bancos levaria a situações de tensão social que poucos conseguem estimar.

a ubs avança que o impacto económico do fim ou saída do euros nos países da periferia (como portugal) no primeiro ano seria equivalente a 40% ou 50% do pib. nas mais fortes (alemanha e holanda, por exemplo), as perdas ascenderiam entre 20 a 25% do pib por via de quebras no consumo, exportações e investimento.

alemanha em queda

para a alemanha, o fim do euro significaria uma valorização do marco em 40% face ao valor actual, o que eclipsaria o sector exportador. e a crise na região da moeda única – para onde vão mais de 40% das vendas alemãs ao exterior – faria o resto. no caso do reino unido, além dos efeitos referidos para o caso alemão, o banco de inglaterra teria de injectar mais de um bilião de libras para segurar o seu sistema financeiro, segundo a casa de research fathom.

a saída de um ou vários membros da zona euro é também uma aposta arriscada. apesar de muitos defenderem essa opção, a história tem provado que uma solução extrema é negativa. na crise de 2008, o lehman brothers era o elo mais fraco dos cinco maiores bancos de investimento em wall street. a decisão de washington o deixar cair é hoje considerada o maior erro na gestão da maior crise financeira dos últimos 60 anos. uma crise que não só extinguiu a banca de investimento norte-americana como afundou as economias mundiais – o pib alemão caiu mais de 5% em 2009 e os eua ficaram com uma taxa de desemprego histórica (perto de 10%) da qual ainda não recuperaram. o lehman brothers era apenas um banco; a zona euro representa 30% do pib das economias avançadas.

a europa sabe também os custos de não atacar um pequeno problema de forma célere. a grécia representa apenas 2% da economia da zona euro, mas a sua ‘doença’ já contaminou mais de metade da região. quanto a ‘culpados’ e ‘membros fracos’, é preciso não esquecer que, entre 2000 e 2007, a alemanha violou o pacto de estabilidade e crescimento quatro vezes (tantas como portugal), a frança três vezes e a grécia oito.

ontem, o presidente do conselho europeu, herman von rompuy, anunciou que irá marcar nova cimeira europeia para final de janeiro, princípio de fevereiro. será a 15.ª tentativa para resolver a crise.

luis.goncalves@sol.pt