quinto é o seu quinto álbum e marca dez anos a editar discos…
mas não gosto nada dessa coisa de celebrar dez anos de carreira… claro que é bom pensar que já faço isto há dez anos, mas não é uma coisa que mereça assim tanta importância.
sente que ainda está num período de afirmação?
também. na verdade, sou pouco conhecido. apesar da música que faço ter chegado a mais público nos últimos anos – já esgotei a culturgest e o são luiz e a gulbenkian, para 24 de abril, está quase esgotada –, ainda está muito por descobrir.
no estrangeiro é normal ver o fado associado à world music, mas isso também acontece consigo em portugal. incomoda-o?
a música que faço assenta em dois pilares: o fado e a música tradicional, principalmente do alentejo, de onde sou. mas depois, em cima disso, há muitas outras coisas. há a música popular brasileira, uma influência muito forte, a música de cabo verde, por causa de uma paixão assolapada pelas mornas, o jazz, por gostar muito de o ouvir, mas também por formação musical… é uma salganhada de géneros que, depois, resulta na música que faço.
costuma dizer que os discos são o registo do momento. qual foi o do quinto?
foi um momento em que fizemos [o quinteto que toca com zambujo] dois anos de muitos concertos e viagens. quisemos passar essa experiência prolongada de palco. por isso, gravámos metade do disco como se fosse tocado ao vivo. os cinco em palco, num auditório, a tocar. a outra metade foi em estúdio.
o repertório reúne nomes consagrados. como foi escolhido?
são autores com quem já colaboro em discos anteriores, com excepção do pedro da silva martins [dos deolinda]. conheci-o num concerto da ana moura e disse-lhe que sou fã do seu trabalho. depois percebi que ele também gosta do que faço e que já tinha criado, inclusive, uma pasta no computador com o meu nome, onde ia metendo coisas que criava a pensar em mim, sem sequer nos conhecermos.
canta muito o amor. porquê?
é a temática recorrente porque gosto de cantar coisas bonitas e é um desafio interpretar diferentes visões do mesmo tema. o pedro, por exemplo, diz que ‘o amor crachou’, mas depois há poemas do nuno júdice, do joão monge com visões completamente diferentes, mas igualmente geniais.
é um sentimento que o intriga?
claro! a quem é que não intriga? o amor é sempre o motivo por que fazemos as coisas. sou músico por amor; tenho dois filhos porque amei…
o álbum pode ter várias interpretações, consoante o alinhamento que se fizer. como?
tem a ver com a forma como gravámos o disco. é a visão do álbum tocado pelo quinteto ou a mais tradicional, no estúdio, mais próxima do fado. essa indicação está no cd. há um f, de fado, e um q, de quinteto, e o ouvinte faz a playlist que quiser.
com qual dos lados se identifica mais?
hoje estou muito mais próximo do quinteto.
é cada vez menos fadista?
não diria isso. não sou menos fadista por não cantar só fado. o fado vai continuar presente, tal como as outras influências.
parte dessas influências são brasileiras e cabo-verdianas, povos que defendem muito a sua música. lamenta que em portugal não seja assim?
sim, nesse aspecto portugal é uma grande desilusão. somos um país cada vez com menos valores e mais corruptos. quem está no poder não tem competência suficiente para lá estar, mas depois quem está no contra-poder também não tem competência para os substituir…
como vê o desinvestimento actual na cultura?
é revoltante e injusto. as raízes é que definem a identidade de um povo. ficar de costas voltadas para isso é ignorar a nossa identidade.
por isso ser artista hoje passa, necessariamente, por apostar no estrangeiro?
também. portugal é um mercado muito pequeno.
em 2011 fez cerca de cem concertos lá fora. viajar pela música é um prazer?
adoro. acho que nunca me irei saturar, mesmo naqueles dias em que tenho de me levantar às seis da manhã, apanhar o avião e ainda tocar nessa noite. quando se chega ao palco e se começa a tocar, a saborear as palavras, a música, a sentir a reacção do público, passa tudo. e depois quando chego ao hotel não tenho sono… mas é muito bom.
quais os concertos que mais o marcaram?
o primeiro concerto no rio de janeiro foi especial. a assistir estava o caetano veloso, o moreno veloso, o milton nascimento, o joão bosco e ainda toquei com músicos fantásticos de lá… o sítio mais estranho talvez tenha sido baku, no azerbaijão. acho que fui o único português a tocar lá.
esse aplauso do caetano ainda é surpreendente?
há coisas que são difíceis de imaginar. nunca se imagina que um artista que admiramos tanto nos vai elogiar publicamente no seu blogue.
como foi conhecê-lo pessoalmente?
foi óptimo. falámos essencialmente de música.
já houve um convite para trabalhar juntos?
não.
por que não toma essa iniciativa?
nunca tenho coragem para fazer essas coisas. acho que não faz sentido. a dimensão do caetano comparada com a minha não tem nada a ver. ele tem muito mais coisas com que se preocupar. gosto de ter o caetano como uma grande referência e de me reduzir à minha insignificância [risos].
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