Guiné-Bissau volta a mergulhar no caos

Vivo ou morto? Foragido ou detido? A pergunta de um milhão de dólares esta noite em Bissau era a do paradeiro do primeiro-ministro guineense Carlos Gomes Júnior, vencedor da primeira volta das presidenciais de Março, após o golpe militar de quinta-feira.

fontes em bissau contactadas pelo sol indicam que o governante tanto poderá estar na sua residência, cercada por militares revoltosos, o que poderá explicar a resistência armada do corpo de segurança do chefe de governo, como que poderá ter fugido antes da chegada dos soldados à rua combatentes liberdade da pátria, cerca das 19h de quinta-feira.

segundo o blogue ditadura do consenso, do jornalista antónio aly silva, gomes júnior estaria ao corrente das movimentações antes do cerco. «estou em casa e sei que vieram para me atacar», terá declarado, citado pelo site. o seu paradeiro, tal como o do presidente interino raimundo pereira, permanecia desconhecido desde então. a rtp chegou a indicar a morte de gomes júnior, candidato do paigc às presidenciais, citando fontes «muito próximas» do governante, ressalvando no entanto a circulação de rumores contraditórios.

a residência do primeiro-ministro foi de facto atingida com granadas e disparos de armas automáticas. o tiroteio cessou cerca das 21h e desde então não se ouvem disparos. no entanto, os militares continuavam ao início da madrugada a ocupar pontos estratégicos da capital. ao contrário do que fora inicialmente avançado, a embaixada de portugal não se encontrava cercada, situando-se antes dentro do perímetro militar mantido em torno da residência de gomes júnior, nas suas imediações.

o movimento nas ruas era fortemente condicionado. os diplomatas lusos aconselhavam os cidadãos portugueses a ficar em casa, conselho seguido por estes e pela esmagadora maioria dos habitantes da cidade. a televisão e as rádios estão fora do ar. no principal hospital de bissau, o simão mendes, não se registava a entrada de vítimas, pelo que não era possível confirmar o derramamento de sangue.

quem ordenou o golpe?

a noite poderá ajudar ao esclarecimento da situação no terreno, uma vez que ainda era desconhecida a autoria e os motivos das movimentações militares. numa cidade em que as mensagens de telemóvel têm sido o principal veículo de informação, as notícias misturam-se com os rumores e várias linhas de análise se cruzam.

primeiro, a de que o golpe poderá ter sido desencadeado pelo chefe do estado-maior general das forças armadas antónio indjai, crítico da presença, acção e autonomia das forças angolanas em bissau. luanda tem no terreno uma missão de assistência à reforma das forças armadas guineenses, a missang, num processo tido como fundamental para a estabilização política e militar do país. esta semana, indjai, que saiu a público a criticar a missang, terá sido duramente atacado pelas restantes chefias militares. as movimentações da noite de quinta-feira poderiam por isso ser uma resposta de indjai.

também se aponta a autoria do golpe a soldados radicalizados da etnia balanta, que tanto podem ter agido por iniciativa própria, como instigados por empresários sul-americanos interessados na desestabilização do país ou instigados pelo segundo candidato mais votado na primeira volta das presidenciais de março, kumba yalá.

yalá, líder da oposição e membro da numerosa etnia balanta, detonou esta quinta-feira – momentos antes do início do tiroteio, aliás – o processo eleitoral, na véspera do início da campanha para a segunda volta. o candidato contesta os resultados do primeiro turno (49% dos votos para gomes júnior, 23% para yalá segundo a cne guineense e observadores internacionais) e exigiu a retirada do seu nome e da sua imagem do boletim de voto da segunda volta, marcada para dia 29, pedindo a anulação das eleições. a reivindicação foi subscrita pelos candidatos serifo nhamadjo, henrique rosa, afonso té e serifo baldé. a cne argumenta que os casos residuais de irregularidades detectados não alteram o resultado e não retirariam a vitória ao candidato do paigc.

em todo o caso, o processo eleitoral desencadeado após a morte em janeiro do chefe de estado malam bacai sanhá parece agora estar definitivamente comprometido, e a sua conclusão dependente da resolução do mistério em torno do paradeiro de gomes júnior.

cplp reúne de urgência

já antes dos acontecimentos de quinta-feira, a comunidade dos países de língua portuguesa (cplp) marcara uma reunião de emergência para sexta-feira e sábado em lisboa sobre a continuidade da missão angolana em bissau, que decorria com o apoio da organização e com o consentimento do estado guineense.

em cima da mesa está agora o alargamento da missão com a possível entrada de outros países, nomeadamente o brasil.

apontada por vários analistas como um estado falhado, apesar do inexplorado potencial económico (a bauxite, os planos de um porto de águas profundas em buba), a guiné-bissau é referida pelo departamento de estado dos estados unidos como um «narcoestado» devido à condição enquanto uma das principais plataformas de trânsito da droga sul-americana para o mercado europeu. altos dirigentes políticos e militares são suspeitos de envolvimento no narcotráfico.

a reforma das mal equipadas e envelhecidas forças armadas guineenses, que passa pela desmobilização da quase totalidade dos seus efectivos através do pagamento de indemnizações e pensões, é vista como condição prévia à consolidação das instituições de estado num país fortemente dependente da ajuda e do interesse internacional.

pedro.guerreiro@sol.pt