Deus joga aos dados

Um artigo recente da Nature assinado por um jovem estudante de doutoramento britânico e pelos seus dois supervisores está a fazer correr rios de bits numa boa parte da comunidade dos físicos (Matthew Pusey, Jonathan Barrett e Terry Rudolph, On the reality of the quantum state, 6/5/2012).

trata-se de um teorema (isto é, de uma afirmação demonstrada matematicamente) relativa à chamada ‘função de onda’, o meio matemático que os físicos usam para descrever de modo probabilístico a realidade no quadro da teoria quântica. o teorema diz que é verdade uma de duas coisas: ou a função de onda é real, isto é, corresponde directamente a um estado da realidade física, não se limitando a reflectir a nossa ignorância sobre uma realidade escondida, ou então existem acções à distância entre estados separados no espaço e no tempo que a teoria quântica não descreve e que nunca, aliás, foram vistas.

as discussões sobre a teoria quântica são tão velhas como a teoria. nos anos 20 e 30 do século passado, albert einstein contestou activamente a visão probabilística proporcionada por essa teoria. foi por isso que afirmou metaforicamente: «deus não joga aos dados com o universo». para ele devia haver uma realidade objectiva da qual a função de onda só dava uma pálida ideia. não se cansou de apresentar dificuldades sucessivas à teoria quântica. mas outro génio, niels bohr, conseguiu responder sempre, criando uma escola que acabou por prevalecer. um dos feitos de bohr consistiu, ironicamente, em usar a teoria da relatividade de einstein para apontar um erro nos argumentos do seu rival. eram dois sábios à altura um do outro.

a teoria quântica parecia de início estranha, mas foi-se entranhando (como disse fernando pessoa da coca-cola: «primeiro estranha-se e depois entranha-se»). hoje, os físicos estão a procurar novas aplicações (computadores quânticos e criptografia quântica) da velha teoria, aplicações baseadas precisamente nos aspectos mais estranhos. o artigo britânico não vem ressuscitar a visão de einstein, mas lança nova luz sobre a interpretação de bohr. ficamos a saber que, se a função de onda não for real, então a teoria quântica fica em polvorosa. ninguém acredita que uma teoria que tem dado tão boas provas seja assim tão frágil…

tcarlos@uc.pt