qual é a sensação de protagonizar o filme convidado para abrir o festival de cannes? pergunto isto porque você não é muito dado ao ambiente de celebridades…
é verdade que o ambiente aqui se pode tornar algo delirante. no entanto, a tradição de cannes continua a ser baseada na celebração do cinema do mundo. e foi isso que senti quando mostraram excertos de todos os filmes em competição. é uma das coisas que fazem deste festival um acontecimento único. e é por isso que nós, americanos, gostamos de cá vir, pois nem sempre temos acesso a esse cinema mais alternativo.
o que o faz sofrer mais na passadeira vermelha?
eu não sofro! mas é difícil ter uma resposta natural no ambiente mais anormal…
wes anderson, o realizador, disse que este era um filme sobre as memórias de infância que ele gostaria de ter. partilha essa ideia?
acho que é uma forma excelente de apresentar o filme. ainda que muitos de nós com 12 anos não fôssemos capazes de fugir com a miúda por quem estávamos apaixonados. pelo menos comigo nunca ninguém quis fugir…
como foi a sua adolescência? imagino que bem diferente da que é descrita no filme…
sim, bem diferente. frequentei sempre uma escola pública, embora depois tenha recebido uma bolsa para ir para uma escola privada. aí senti-me como se estivesse em marte…
até que ponto trabalhar com crianças o fez recordar o seu passado?
fez-me lembrar os campos de férias, em que se formavam alianças, se gozava com alguns miúdos, mas depois sentíamo-nos arrependidos. acho que o wes capta muito bem esse imaginário.
tinha vontade de trabalhar neste estilo quase teatral de wes anderson?
foi muito divertido. desde logo porque comecei no teatro. e a equipa do filme mais parecia uma companhia teatral, muito semelhante àquela a que pertenço em nova iorque.
é verdade que viveram todos na mesma casa durante a rodagem?
sim, não havia dinheiro para fazer o filme. por diversas razões acabou por ser mais eficaz e divertido assim. havia pessoas diferentes a entrar e sair constantemente da casa.
um pouco como um campo de escuteiros…
sim, era um pouco isso.
também foi escuteiro?
não, nunca fui escuteiro. você nem imagina o que era baltimore, a minha cidade, nos anos 70. se viu a série wire percebe o que quero dizer. o tráfico de droga estava ali perto. digamos que, na minha escola, havia mais prisões por posse de droga que escuteiros. não era a pacatez desta cidadezinha imaginária…
mas acabou por ter uma educação privilegiada.
o facto de ter frequentado a universidade de yale não significa que fosse um privilegiado. foi sim uma grande oportunidade. posso dizer que tive algumas oportunidades.
até porque os seus pais estão ligados ao meio cultural.
sim, a minha mãe era professora ao passo que o meu pai era engenheiro ambiental. mas não posso dizer que cresci no meio da abundância, e frequentei uma escola de subúrbio. talvez o maior privilégio fosse a proximidade com a experiência um pouco boémia e cultural da minha família, pois eram muito ligados às artes e à conservação do ambiente.
lembra-se do que o motivou a ser actor?
digamos que não foi de uma vez, houve diferentes ocasiões. lembro-me quando vi uma peça de teatro que me fez desejar representar. até porque já gostava de me caracterizar, de representar e de fazer imitação de vozes. por isso foi algo muito natural. mas só mais tarde pensei que poderia ser actor profissional. foi um momento muito importante na minha vida.
olhando para trás, quais são os filmes que lhe deixaram memórias mais ricas?
tenho inúmeras boas memórias. o que acontece é que o resultado final de um filme não espelha necessariamente a experiência que se teve ao fazê-lo. podemos esforçarmo-nos muito num filme, física e emocionalmente, e o resultado ser decepcionante. e o contrário também pode acontecer.
foi nomeado para um óscar por a raiz do medo e depois por américa proibida, com personagens que mudam muito ao longo do filme. sente que é aí que reside o prazer de representar?
agrada-me poder relacionar-me com o arco da personagem, perceber que ela tem um percurso que vai de a a b. esse é o caminho que mais me diverte e realiza enquanto actor.
já trabalhou com realizadores célebres, como woody allen [toda a gente diz que te amo], david fincher [clube de combate], milos forman [larry flynt], spike lee [a última hora] e agora wes anderson. é importante para si ter estes escalpes todos?
acho que não tenho os escalpes deles. provavelmente eles é que têm o meu… [risos] às vezes acontece podermos trabalhar com quem que já admiramos, como o milos, o spike ou o woody. com os realizadores da minha geração, como o wes [anderson] ou o john curran [o véu pintado], partilham-se interesses comuns. acaba por haver uma dinâmica diferente.
alguma vez ficou com a sensação de que estava cansado do que fazia?
como em todos os trabalhos, há um momento em que temos de parar um pouco e pensar. depois de 15 anos a trabalhar com intensidade, é o que acontece.
está a germinar alguma ideia para um projecto de realização?
sim, é algo que está sempre algures na minha mente. por acaso tenho trabalhado em algumas ideias. quando as tiver organizado e concretizado, tenho a certeza de que falaremos sobre elas.
tal como o seu pai, esteve envolvido em questões ambientais. continua a fazê-lo?
sim, fui embaixador das nações unidas em programas de biodiversidade e ambiente. é um compromisso muito forte.
acha que há alguma possibilidade de exprimir isso através de filmes?
não me parece.
o que podemos saber sobre o seu mais recente trabalho, the bourne legacy [o quarto e muito aguardado filme da saga bourne]?
muito pouco… [risos]
li que a sua personagem seria uma espécie de vilão?
se calhar sou, se calhar não sou. não leia o que sai no imdb [base de dados online sobre cinema], porque não quer dizer que seja verdade. veja primeiro e decida depois.
acha que o jeremy renner é um bom substituto de matt damon?
não é bem um substituto, é mais um prolongamento. a história revela novas personagens. eu só tenho uma cena com o jeremy. mas ele é um excelente actor.
o que vai fazer depois?
mais entrevistas, a promoção de bourne e depois logo se verá…
usa o facebook?
confesso que não. já tenho amigos suficientes…