o jovem padre mário rui, que dirá, durante a missa, que como o papa francisco, também ele veio de “um recanto do fim do mundo”, ainda não chegou ao altar.
enquanto espera no átrio da igreja, clara, de 28 anos, aproveita para ler as novidades previstas para os próximos dias em são nicolau, que gosta de frequentar “por ter a imagem do altíssimo”.
tal com outros templos da capital, a igreja de s. nicolau é aproveitada por muitos crentes de passagem que ali param para rezar ou assistir à missa, mesmo que não vivam na freguesia, quando têm tempo.
clara, jovem e urbana, habituada aos smartphones e a todas as novas tecnologias associadas, é um desses crentes. a rapariga de cabelos compridos e sorriso rasgado não corresponde ao ‘fiel-tipo’, descrito no relatório da universidade católica identidades religiosas em portugal – representações, valores e práticas – 2011: as mulheres de mais de 65 anos compõem 23,1% dos católicos portugueses.
inserindo-se numa faixa etária que abrange 18, 5% dos crentes, clara corresponde ao grande desafio da igreja portuguesa no século xxi: conquistar jovens fiéis, marcando presença nas redes sociais e utilizando as novas tecnologias para espalhar a mensagem de cristo.
e esta jovem cristã utiliza as novas plataformas para cumprir as suas rezas diárias. “há o podcast ‘passo a rezar’, que foi adaptado do ‘pray as you go’, que descarrego para o ipod, e levo sempre comigo”. as redes sociais são outro dos seus pontos de contacto com a igreja.
além de rezar todos os dias, há outros pormenores que fazem de clara um caso pouco comum entre os católicos mais jovens: não falha uma missa de domingo.
luís, divorciado de 42 anos e pai de três filhos, é ainda mais assíduo: “venho todos os dias à missa”, garante durante um intervalo em que saiu da missa para fumar. ele é o chamado ‘católico observante’ por frequentar a igreja para assistir a uma celebração mais de uma vez por semana – 26, 3% dos católicos fazem-no.
o divórcio não o fez perder a fé ou afastar-se de deus. “pelo contrário”, diz, sem acrescentar mais pormenores.
num contexto em que o número de casamentos católicos não pára de diminuir – se em 1990 se celebraram, segundo dados do instituto nacional de estatística, 51.953 matrimónios católicos, em 2010 celebraram-se 16.720 e, em 2011, ainda menos, 14. 121 –, as separações são outro dos temas do século xxi com que a igreja de pedro tem de aprender a lidar. “tem de haver uma maior compreensão em relação aos divorciados que querem manter-se na igreja”, diz maria joão sande lemos, do movimento nós somos igreja. “a igreja é como um diamante com muitas faces: é as pessoas que a frequentam, é diversa”, concorda, por seu lado, a jovem clara.
uma das formas encontradas pela instituição até agora é a redução para um ano, ao invés dos anteriores dez, do período que é necessário esperar para se obter a anulação do casamento, que corresponde ao divórcio.
‘foi como se pusesse óculos’
beatriz gomes é voluntária na paróquia de são nicolau e é um verdadeiro exemplo de crente, segundo dados da própria igreja: é mulher, como 56,4% dos fiéis, e tem 64 anos. mas ainda não está reformada, é tradutora. e conhece como poucos a paróquia de são nicolau, onde está todos os dias. “os paroquianos que vivem aqui são poucos e quase todos idosos. por isso as pessoas que frequentam esta igreja são todas de fora”.
também ela reza todos os dias e, além de frequentar diariamente a missa, participa activamente nas actividades programadas, enquanto voluntária. é a chamada ‘católica militante’.
a avaliar pela frequência com que vai à missa, e com que “conversa com deus”, como a própria diz, alda também é uma católica militante. “fiz uma promessa de que viria à missa na igreja de são nicolau todos os dias, durante um mês”, conta. “gostei e fiquei. venho sempre, sem uma falha”. também os seus filhos são católicos e baptizados.
mas o número de baptismos tem vindo a diminuir. segundo dados da conferência episcopal portuguesa, a que o sol teve acesso, em 2010 celebraram-se 68.876 baptismos, quando em 2005 tinham sido 84.537. os dados preliminares de 2011, ainda em actualização, confirmam a tendência, com 62.721 sacramentos realizados.
mas, para os fiéis com quem falámos, o baptismo ou a tradição familiar não são determinantes para seguir a religião. luís esteve vários anos sem pôr os pés numa igreja, até sentir necessidade de deus. “há coisas que nos fazem voltar, perdas, agradecimentos”, explica alda.
clara foi baptizada mas passou também anos sem ir a uma missa, até ter sentido o apelo através de conversas com uma professora de dança, quando tinha 18 anos. “como viu que eu estava interessada, convidou-me para ir a um retiro para jovens em fátima”, lembra. e, lá, “foi como se andasse cega e, de repente, pusesse óculos. vi pela primeira vez a realidade”.
texto publicado na revista tabu de 22 de março