sábado foi o dia perfeito para questionar a identidade e a autenticidade das propostas musicais do que é convencionado chamar ‘world music’.
ainda muitos aproveitavam a praia e os mais curiosos eram surpreendidos com molla sylla, o cantor e percussionista senegalês que irrompeu do meio do público e começou a actuação do trio reijseger fraanje sylla, proveniente da holanda.
com a noite veio jp simões e o seu novo disco, ‘roma’. o conimbricense estava acompanhado pela formação com que gravou o álbum, ‘uma superbanda’, como foi apresentada no festival. mas uma superbanda com larga origem brasileira, no que resulta uma apetitosa secção rítmica. como é do seu timbre, jp aproveita as pausas entre músicas para mostrar o seu sentido de humor (ora apresentando o economista milton friedman como um músico experimentalista, ora propondo aos festivaleiros a utilização de uma algália rodrigues, por exemplo), exorcizando desta forma o nervosismo, como o próprio diz. no final, e após ter deixado o público satisfeito, lá disse que se sentia menos nervoso.
foi com nervo a actuação das três senhoras e do senhor que se seguiram, os dakhabrakha. os ucranianos agarraram os espectadores logo à primeira nota com a mistura de vozes celestiais e de tambores e djembés, e prosseguiram em crescendo, numa notável demonstração de versatilidade instrumental e vocal que resultou num tremendo mix sonoro.
de hermeto pascoal espera-se o melhor. o velhinho com ar de guru, muito bem acompanhado, fez trabalhar as sinapses a todos quantos tiveram a oportunidade de o ver na sua primeira actuação em sines, já há oito anos. e de facto houve diversos pontos de contacto, até nas brincadeiras que o inventivo instrumentista e compositor faz com o público. da outra vez elogiou o “peixinho da pesada” que se come em sines. desta feita elogiou o vinho português, “o melhor do mundo”, e fez música com um copo do líquido. pôs os espectadores a fazer sons com os lábios e a ouvir, com reverência, as incursões free. um show que terminou de forma quase abrupta e teatral. “vou parar de tocar porque a direcção do festival disse para parar. este festival é uma merda!”. pouco depois o filho de hermeto, o percussionista fábio pascoal subiu ao palco para dizer que compreendeu mal um sinal do backstage e lá regressaram. “se tiver de morrer por vocês, morro feliz”, disse hermeto, antes da pequena composição que o grupo foi tocando até entrar no camarim.
a noite terminou em modo pista de dança com muitas mensagens políticas. batida, o grupo liderado por pedro coquenão, não se limitou a puxar pelos corpos da assistência, em temas como ‘bazuca’ ou ‘alegria’. foi também um momento inesperado de música de intervenção, com coquenão a mostrar um retrato do presidente de angola e a dizer que se tratava de “cavaco dos santos”. ou com os temas de ikonoklasta, especialmente críticos para com josé eduardo dos santos. mas a maior assobiadela estava reservada par o fim, quando surgiram no ecrã as imagens de paulo portas, passos coelho, cavaco silva, antónio josé seguro, catarina martins e jerónimo de sousa. uma vaia monumental.
com o palco recheado de cantores e dançarinos convidados, a festa terminou em beleza, com vários elementos do público a subirem ao palco e a juntarem a sua energia à dos músicos. uma batida que bateu fundo.
muito para ver antes do fim do mundo
“é o fim do mundo, mas não é hoje”, assegurava, num aparte, jp simões durante a avassaladora ‘marcha dos implacáveis’. ainda bem, porque ainda faltam muitos concertos até ao fim da 15.a edição do fmm. segunda e terça-feira em modo suave, com duas actuações diárias no centro de artes, e a partir de quarta-feira no castelo e no palco da avenida da praia. de rokia traoré a trilok gurtu, de shibusa shirazu orchestra a femi kuti, há um mar de música por (re)descobrir.
cesar.avo@sol.pt