há um ano e doze dias uma bala atravessou-se na cara de malala yousafzai e impediu-a de fazer o que mais gostava: ir à escola. parece impossível como no espaço de uma translação da terra, a jovem recuperou física e emocionalmente e foi capaz de reunir tantos apoios. hoje tem um fundo com o seu nome e é convidada para discursar sobre o direito à educação das meninas nas mais altas instâncias do planeta. no seu país, porém, não falta quem a odeie ou que a considere um agente da cia.
no dia 9 de outubro de 2012, uma moto com dois talibãs aproximou-se de um autocarro escolar que transportava as alunas de volta para casa em mingora, a cidade mais importante do vale swat e outrora uma atracção turística. fizeram parar o veículo e nele irromperam.
“congelei ao lembrar-me dos tempos sombrios: recordei os corpos decapitados, a matança de rivais, a violência grotesca à mínima dissidência ou à menor dúvida de espionagem”, contou ao christian science monitor uma colega de malala, shazia, sobre os tempos em que os talibãs se apoderaram daquela província. foi nessa altura que malala, então com 11 anos, começou a dar nas vistas ao escrever num blogue da bbc contra as atrocidades dos obscurantistas. “qual de vocês é malala? falem, senão mato-vos a todas”, ameaçou um dos terroristas. pouco depois o talibã vociferou: “ela está a fazer propaganda contra os soldados de alá, os talibãs, e deve ser punida”. antes que alguma menina tivesse tempo de reagir, o fundamentalista reconheceu a jovem e disparou à queima-roupa. a bala entrou por baixo do olho esquerdo e ficou alojada no ombro.
salvou-se, graças a deus, segundo a própria, ou graças à incomum intervenção do exército, que a transportou de helicóptero de mingora para peshawar. aí foi submetida a uma craniotomia, uma cirurgia de três horas, na qual o cérebro, que tinha ficado inflamado, teve de ser ‘destapado’ (assim ficou durante meses). dias depois, ainda em coma, foi transportada para inglaterra para a bem-sucedida recuperação. hoje, malala já só faz fisioterapia uma a duas vezes por mês ao lado esquerdo da cara (o nervo foi atingido pelo projéctil, tendo sido reconstruído).
se o tiro do talibã não saiu pela culatra em termos literais, a cobardia e a vileza do ataque causaram uma onda de indignação e solidariedade à escala global. a maior consequência foi a aprovação na assembleia nacional paquistanesa de uma lei que obriga à educação de todas as crianças entre os cinco e os 16 anos, independentemente do sexo, nacionalidade ou raça, e proíbe a actividade de escolas sem licença do estado – tomando as rédeas em relação às madraças e ao radicalismo que daí advém. mas a lei ainda tem um longo caminho a percorrer, uma vez que tem de se ser adoptada pelos governos provinciais. e a segurança: os professores também se tornaram alvos dos talibãs. pelos menos cinco foram assassinados desde o ataque a malala.
é “a nossa heroína”, disse um emocionado ban ki-moon no dia malala que a assembleia geral das nações unidas organizou a 12 de julho, dia em que a paquistanesa cumpriu 16 anos. “pensavam que as balas iam silenciar-nos. mas falharam e do silêncio surgiram milhares de vozes. os terroristas pensavam que podiam mudar os meus objectivos e as minhas ambições, mas nada mudou na minha vida excepto isto: a fraqueza, o medo e a desesperança morreram”, disse então, em nova iorque. e concluiu: “não estou aqui contra ninguém._estou aqui para falar pelo direito à educação de cada criança._eu quero que os filhos e as filhas dos talibãs, dos terroristas e de todos os extremistas recebam educação”.
não falta quem na mingora natal e noutras regiões mais conservadoras se insurja contra a jovem: “malala está a estragar o nome do paquistão”, diz à reuters mohammad rizwan. os talibãs mantêm a ameaça de morte. a jovem, que escreveu o livro i am malala, sonha um dia voltar ao seu país. “quero ser política e líder social. para alcançar esse objectivo tenho de conseguir poder, e o verdadeiro poder consiste na educação e no conhecimento”, disse ao el país.