em nova edição assinada pelo pessoano jerónimo pizarro (professor da universidade dos andes, prémio eduardo lourenço 2013) a partir de um regresso às fontes documentais, renasce o livro do desassossego.
com notas de contextualização de referências literárias e o fulgor da ortografia original (preservam-se grafias e construções “menos ortodoxas”) e dos fragmentos redecifrados e ordenados pela edição crítica (imprensa nacional – casa da moeda, 2010).
o ensaísta eduardo lourenço chamou-lhe “manual do desespero, escrito numa língua divina”, um “texto-submerso” que acompanhou todas as tonalidades de expressão de pessoa desde 1913, um ano antes da deflagração do drama-em-gente dos heterónimos, até 1934, um ano antes da morte.
para jerónimo pizarro, é uma prosa em processo, que pessoa não reviu nem organizou em definitivo e que também não possui “uma unidade psicológica e um universo estilístico fechado”. e, porque os fragmentos não estão assinados, existem nela “pelo menos três autores”: os semi-heterónimos vicente guedes e bernardo soares, em duas fases sequentes de “despersonalização”, e pessoa, emergindo sempre.
desde a primeira edição, em 1982, que esta é a criação mais lida do maior modernista português. habita-a um certo ajudante de guarda-livros ou empregado de escritório que, “triste, no meu quarto quieto”, numa mansarda rente ao infinito, no rés-do-chão da vida ou num quarto andar alto da rua dos douradores, olhou lisboa, os outros e a si mesmo, num silêncio de desassossego sinónimo de cansaço.
na edição de pizarro e com o grafismo superior da tinta-da-china (o título inaugura uma colecção pessoa), a ortografia original de livro do desassossego aproxima-nos de fernando pessoa. e termina, enigmática como ele: “não me dóe senão ter-me doido”.