Mandela: A estrela popular

Muito antes do filme Mandela: Longo caminho para a Liberdade, em cartaz desde quinta-feira, já a figura do líder sul-africano foi manancial para outros filmes, canções, concertos, poemas e livros.

há muito que o símbolo da luta contra o racismo se tinha transformado num ícone pop. em 1988, nas vésperas do 70.º aniversário de mandela, o estádio de wembley acolheu um tributo que reuniu dezenas de músicos e artistas. alguns, como os simple minds, peter gabriel, hugh maseleka ou youssou n’dour tinham composto músicas contra o apartheid. a maioria, de dire straits a whitney houston, de stevie wonder aos bee gees, contudo, não tinha qualquer historial de músicas de intervenção.

o resultado foi um espectáculo comparável ao live aid, transmitido para 67 países e visto por mais de 600 milhões de pessoas – uma bofetada em directo ao regime de pretória com repercussões globais.

o sucesso foi tal que dois anos depois o mesmo palco recebe um novo concerto, desta feita pela libertação da áfrica do sul. o cartaz já não era tão extenso nem atraente, mas marcou presença a maior das estrelas, o próprio mandela, libertado há dois meses. o facto de no poder estar margaret thatcher, que o tinha apodado de “terrorista”, não o fez recuar. “o sonho de milhões de pessoas de que o nosso país seja livre será realizado mais cedo do que tarde. estamos decididos em assegurar que o nosso país é transformado da escória do mundo num oásis exemplar de relações raciais excelentes e inigualáveis”, declarou perante uma audiência em êxtase.

a experiência positiva levou a que se realizasse uma série de concertos, já no século xxi, com o nome genérico 46664 (o número de prisioneiro de mandela na ilha robben) com o objectivo de angariar fundos na luta contra o vih/sida. o último, mais uma vez em londres, mas agora em hyde park, serviu também de comemoração dos seus 90 anos. o hino ‘free nelson mandela’, dos specials, foi cantado no final por amy winehouse.

essa música, da autoria do teclista jerry dammers, tornou-se um sucesso (entrou no top 10 em vários países, incluindo no reino unido) e deu a conhecer às novas gerações a injustiça de que o homenageado era alvo. outras músicas e álbuns se fizeram inspirados no sul-africano: em 1986, youssou n’dour (agora conselheiro do presidente do senegal) dedicou-lhe uma música e o nome do álbum; em 1987, foi a vez do sul-africano hugh maseleka (‘bring him back home’) e do inglês johnny clegg ( ‘asimbonanga’) cantarem pela libertação do líder anti-apartheid. dois anos depois, os escoceses simple minds lançam o disco street fighting years, no qual cantam ‘mandela day’. bono, o cantor e activista social dos u2, compôs com o antigo vocalista dos clash joe strummer, pouco antes de este morrer, ‘46664’.

também na sétima arte nelson mandela foi fonte de inspiração. o filme mais popular é sem dúvida invictus, de clint eastwood, com morgan freeman – que já tinha capital para o papel, após ter feito de deus em bruce, o todo-poderoso – e matt damon. retrata o triunfo da áfrica do sul no campeonato do mundo de râguebi e como esse feito foi aproveitado politicamente para contribuir para a unidade do país.

estreou-se entretanto a mais recente produção de hollywood, mandela: longo caminho para a liberdade, protagonizado por idris elba e naomie harris. a estreia em londres, que contava com a presença de zindzi e zenani mandela, coincidiu com a notícia da morte do seu pai.

antes de freeman e elba, já danny glover (em mandela, do britânico philip saville), sidney poitier (mandela and de klerk) e dennis haysbert (goodbye bafana) haviam feito as vezes do líder sul-africano. neste último caso, rodeado de controvérsia, uma vez que foi baseado num livro escrito por um guarda prisional e desmentido pelo próprio mandela.

por falar em livros, o mais importante é a autobiografia do próprio, um longo caminho para a liberdade. em 1974, o actor e poeta john matshikiza escreve o poema ‘and i watch it in mandela’. a escritora nadine gordimer, que em 1991 recebeu o nobel, escreveu anos antes um capricho da natureza, no qual antevia uma mulher branca a militar no anc e que acaba por se casar com o primeiro presidente negro de áfrica do sul.

cesar.avo@sol.pt