a telenovela da avaliação dos professores, com os seus avanços e recuos, e aquela ridícula prova escrita de resposta múltipla que pouco mais afere do que a velocidade das conexões neuronais dos profissionais do ensino, fez-me considerar a subjectividade radical implícita na definição do ‘bom professor’. a aprendizagem é uma relação; a capacidade de transmitir conteúdos não é universal, porque cada receptor é um caso.
o meu professor de filme, o mais parecido com o protagonista do famoso o clube dos poetas mortos de peter weir, foi emídio rosa de oliveira, que ensinava semiótica na universidade nova de lisboa.
era uma figura que vivia o ensino com paixão, relacionando todas as coisas do mundo de um modo fulgurante. mas havia alguns alunos aos quais aquele vendaval assustava e intimidava: “afinal, qual é a matéria?” – perguntavam, no fim das aulas.
não devia ser possível fazer-se um curso universitário no estreito confinamento dos carris da matéria; mas era essa a realidade da década de 80, quando a democratização do ensino explodiu, depois de quase meio-século de boicote ditatorial à mobilidade social.
entretanto, com o tempo e a experiência de vida, tenho vindo a valorizar professores menos salientes mas que me deram ferramentas de sobrevivência essenciais, especialmente no mundo dos media, que é o mais parecido com a selva existente em território urbano.
alberto arons de carvalho foi um deles; ensinava direito da comunicação social, e às tantas pediu-nos um trabalho de grupo (desgraçada invenção que nunca mais passou de moda). calhou-me fazê-lo com um jornalista senior e sabido, que quase nunca ia às aulas porque trabalhava para jornais e televisões, e que esfolava o meu incauto coração com pedidos de apontamentos e ajuda porque, coitadinho, trabalhava imenso.
ou seja: eu fiz o trabalho, assinámos os dois, a nota foi alta – e o professor pediu uma defesa oral da peça, por cada um de nós, em separado.
só anos mais tarde me explicou que o fizera para me defender, porque suspeitava muito dos conhecimentos do meu colega. mas o resultado foi precisamente o contrário: habituado a falar na televisão e a fazer de conta que sabia muito de temas que desconhecia quase por completo, o meu colega leu, 10 minutos antes de entrar na sala, o trabalho que eu escrevera – e fez um brilharete; eu, que escolhera aquele curso por querer escrever, e que fugira aos estudos literários por medo de ter de ser professora e falar em público, corei, tremi, gaguejei, enrolei-me toda e fiz uma triste figura.
fiquei tão zangada comigo mesma que decidi nunca mais ter medo nem vergonha de falar nem deixar-me paralisar pelo olhar ou pelas expectativas dos outros.
sobretudo, percebi que aceitara ser explorada, e que tinha de aprender a libertar-me dessa atitude de vítima consentida.
claro que não mudei de um dia para o outro – tinha 19 anos, agora tenho 51, e ainda caio em becos de ingenuidade com uma frequência maior do que seria bom para a minha saúde de cinquentenária.
mesmo assim, muito menos do que se não tivesse tido este professor e vivido esta história. como se avalia esta aprendizagem?