Literatura: Um guia para nenhures

Manguel e Guadalupi cartografaram a imaginação para que possamos viajar em pensamento.

não é só um dos lançamentos do ano, como um dos mais importantes da última década. com tradução de ana falcão bastos e carlos vaz marques para a tinta da china, chega às livrarias o já mítico dicionário dos lugares imaginários. após dois anos de pesquisa e dois mil locais visitados (“de shangri-la à ruritânia”), a obra foi editada em 1980 pelo escritor argentino (nacionalizado canadiano) alberto manguel (n. 1948), em co-autoria com o historiador e antologiador de literatura de viagens gianni guadalupi. a edição portuguesa conta com um prefácio específico, assinado por manguel em memória de guadalupi (1943-2007), e indicação de traduções existentes para as obras referidas.

são quase mil páginas de levantamento e guia de lugares da ficção (e respectivos habitantes), arrumados em 1200 verbetes, eles mesmos pequenas obras-primas de criatividade, e com ilustrações alusivas. extraordinário elogio à criação artística de mundos e paisagens não-reais, eleva-os ao estatuto de pontos com características precisas num grande mapa da imaginação (bibliográficas e intertextuais) e com localização exacta no globo terrestre. é o caso do país das maravilhas, “reino sob a inglaterra, habitado por um baralho de cartas e por alguns outros seres”.

manguel defende: “a nossa geografia imaginária é infinitamente mais vasta do que a do mundo material”. mas é a partir dela que criamos o nosso mundo: “o resto é apenas confirmação”.

não-exaustiva, a escolha e privilégio dos territórios referenciados foi bastante pessoal. os autores restringiram-na a “lugares que um viajante pudesse querer visitar, deixando de lado os céus e infernos e lugares do futuro” ou fora do planeta. do país dos arimaspos (heródoto ou flaubert) ou do reino dos trolls (ibsen) à nutopia (john lennon) ou ao parque jurássico (michael crichton), passando por calemplui (fernão mendes pinto) ou pela cidade dos cegos (josé saramago). rota terra-a-terra e livro-a-livro, trata-se afinal de um jogo em que se privilegia o exotismo dos territórios a visitar, escancarando portas aos leitores para inusitadas aventuras de leitura.

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