O Mundo em revista

Papa Francisco: Com uma linguagem desajustada da realidade, desacreditada face aos escândalos da pedofilia e do banco suspeito de lavagem de dinheiro, a Igreja Católica encontrou no jesuíta argentino Jorge Bergoglio, de 77 anos, o homem certo para iniciar uma revolução.

está a restituir a autoridade moral da igreja pelo exemplo de humildade (recusando o palácio apostólico, os carros luxuosos, etc.) e de abertura ao mundo (“não existe um deus católico, existe deus”). mas também ao apelar à compaixão (“quem sou eu para julgar?”), e à inclusão social contra a “ditadura da economia sem rosto” e a “tirania invisível” dos especuladores financeiros. não por acaso, a primeira viagem foi a lampedusa “chorar os mortos que ninguém chora”.

guerra e volte-face na síria

uma pergunta de uma jornalista durante uma conferência de imprensa em londres teve um efeito maior do que todas as reportagens que se fizeram em damasco ou aleppo.

o secretário de estado norte-americano john kerry admitiu que se o regime de bashar al-assad reunisse o arsenal químico e o entregasse à comunidade internacional abrir-se-ia uma janela de oportunidade para travar uma acção militar dos estados unidos, que meses antes avisara que o uso de armas químicas seria a linha vermelha. “mas sabemos que isso seria impossível”, concluiu então kerry. no entanto, um dos dois aliados de damasco, moscovo, aproveitou a deixa. em questão de horas uma resposta “retórica”, como a casa branca chegou a comentar as declarações de kerry, tornou-se em realidade. e barack obama anunciou a suspensão dos preparativos militares.

em 2013, a continuação da guerra agravou o desastre da população. calcula-se que quase um terço (sete milhões) da população esteja refugiada dentro das fronteiras sírias e que 2,5 milhões tenham abandonado o país devido a um conflito que já causou 126 mil mortos. perante este cenário, as nações unidas lançaram um apelo para a comunidade internacional contribuir com 4,7 mil milhões de euros em assistência humanitária – o maior pedido de doações de sempre.

no terreno, o ano começou com os opositores de assad a conquistarem os subúrbios da capital e bases militares, bem como a atingirem o centro da capital com acções terroristas. até a aviação israelita bombardeou um depósito militar sírio. mas a guerra acabou por se tornar sectária, com a entrada em cena do hezbollah libanês e de xiitas iraquianos (além da ajuda iraniana) em oposição aos grupos sunitas ligados à al-qaeda e apoiados pela arábia saudita e pelo qatar. enquanto o mundo discutia o ataque de armas químicas ocorrido em agosto num subúrbio de damasco – os eua concluíram que foi o exército sírio, assad negou a autoria – o tabuleiro virou, com o regime a recuperar posições e os grupos de oposição a perderem apoios dos norte-americanos e britânicos perante a radicalização dos movimentos.

a denúncia de snowden

herói ou traidor? em junho, edward snowden, de 29 anos, revela ao guardian e ao washington post a extensão e a profundidade da espionagem levada a cabo pela agência de segurança nacional (nsa) dos estados unidos, com a colaboração dos serviços britânicos (gchq).

os documentos provam que as agências acedem às informações armazenadas pelas grandes empresas tecnológicas dos eua, bem como interceptam dados em massa dos cabos de fibra óptica. as agências também tentam minar os padrões de segurança da internet, para poderem aceder aos emails, à banca e às lojas online. centenas de milhões de pessoas são espiadas todos os dias no computador, no telemóvel, no telefone.

enquanto o especialista em tecnologias de informação subcontratado pela nsa pula para hong kong e depois para a rússia, onde obtém asilo, um ror de pormenores é posto a descoberto: a nsa não se dedica apenas a espiar a vida de todo e qualquer cidadão, mas também de políticos aliados, caso da chanceler alemã angela merkel, e ainda de instituições de solidariedade como os médicos sem fronteiras ou a unicef – para indignação dos visados.

o escândalo terá consequências. um painel de peritos, a pedido da casa branca, entregou um relatório que aconselha a nsa a parar de reunir dados em massa, de sabotar a segurança da internet e de espiar líderes estrangeiros sem autorização ao mais alto nível.

cesar.avo@sol.pt