Egipto: Aqui há gato

Se o gato mantivesse nos dias de hoje o estatuto de que gozou no Antigo Egipto, Mohamed Morsi, o candidato da Irmandade Muçulmana (IM) que ganhou as únicas eleições livres no Egipto, estaria em boa companhia, a avaliar pela foto. Mas não só o felídeo anda nas mesmas ruas da amargura que o comum dos…

 a contra-revolução do ‘estado profundo’ está em marcha e só um não ao referendo poderia pôr em causa a progressão dos acontecimentos. mas tal não é de esperar. apesar de cada vez mais contestado, o regime tem feito campanha maciça pelo sim e terá ainda milhões de apoiantes. além do mais, o partido salafista nour, segundo nas eleições parlamentares de 2011, fez parte da comissão constituinte, tendo conseguido manter as referências à lei islâmica como a principal fonte de legislação. em consequência, está do lado do sim, alargando a base de eleitores. “a carta preserva a identidade islâmica e a sharia”, congratula-se yunis makhyun, o líder dos ultraconservadores.

as emendas à constituição dão mais garantias, liberdades e direitos (em especial para os cristãos e para as mulheres) do que a aprovada no referendo de dezembro de 2012, a qual só foi votada por um terço dos eleitores. no entanto, os militares mantêm e reforçam o carácter de excepção, podendo julgar civis em tribunais militares ou vetar o ministro da defesa, por exemplo.

irmandade boicota

yusef al-qaradawi, um clérigo ligado à im, refugiado no qatar, emitiu na quarta-feira um decreto religioso que proíbe os egípcios de votarem no referendo. após ter sido considerada uma organização terrorista, a im, sob o nome de movimento antigolpe, já tinha apelado ao boicote bem como à realização de uma semana de manifestações, que redundaram em mais uma onda de detenções, 17 mortos e vários feridos.

desde que o então popular golpe militar se deu, em julho de 2013, mais de 1.300 pessoas foram mortas e um número indeterminado detido. além dos islamistas, também os grupos laicos e liberais foram perseguidos. a polícia voltou aos métodos antigos e o governo de transição designado pelo exército, ao encerrar meios de comunicação críticos, acaba por apresentar uma versão remendada do mubarakismo sem mubarak.

o nacionalismo volta a ser apresentado como a solução para combater o islamismo e os males do país estão para lá das fronteiras (excepto os militantes da irmandade). mas uma parte da elite mantém-se do lado do general el-sisi, o ministro da defesa que deverá candidatar-se à presidência. como por exemplo o escritor que mais vende no mundo árabe, alaa al-aswany. à new yorker explica-se: “(morsi) suspendeu a lei, a constituição, e pôs-se acima de todos os tribunais. agiu como um sultão turco (…) eles são como uma versão má do dom quixote porque vivem na história. acreditam que foram escolhidos por deus para restaurar a glória da sua religião”. ou como resume à mesma publicação o jornalista ibrahim eissa, preso várias vezes na época de mubarak: “não queremos transformar-nos no irão”.

pelo menos na desconfiança do exterior e nos resultados económicos já há parecenças. o sector do turismo, por exemplo, que valia mais de 9 mil milhões de euros por ano e empregava 4 milhões de pessoas, está à míngua.

cesar.avo@sol.pt