Como vê o desenrolar dos últimos acontecimentos?
A Ucrânia está a enfrentar uma ameaça imperial de intervenção militar. Grupos armados estrangeiros estão presentes na península da Crimeia, território reconhecido como parte integrante da Ucrânia em todos os documentos internacionais desde o momento da proclamação da independência, em Agosto de 1991. Em 23 anos nunca enfrentámos uma situação tão grave.
E complexa. Da maioria russa na Crimeia haverá quem esteja de acordo com a intervenção. Como crê que a situação se vai resolver?
Muita gente está a perceber os acontecimentos através de um prisma de uma propaganda segundo a qual uma parte da população está descontente com as mudanças em Kiev. Esta parte da população está manipulada de uma maneira agressiva. Houve talvez algumas decisões precipitadas do Governo e depois corrigidas, com certeza. Mas em vez de se apaziguar a situação e deixar o Governo trabalhar no ritmo normal, provoca-se uma situação contraproducente nesta etapa tão difícil.
A Crimeia, para mais, é uma república autónoma.
Exactamente. É parecida com a Madeira, mas dependente do Orçamento do Estado.
A Crimeia e Sebastopol têm uma ligação muito forte com a Rússia.
Ninguém descarta isso. Sebastopol é terra histórica para os ucranianos. Ficou comprovado que lá se criou a Ucrânia. No século X, em 988, o grande príncipe Vladimir baptizou o antigo Estado de Rus de Kiev. Não só para os russos, mas para todos os ortodoxos, é um local sagrado. Por outro lado, não se pode ignorar que é em Sebastopol que se encontra a base naval russa do Mar Negro. De acordo com o tratado entre a Ucrânia e a Federação Russa, a quantidade de navios e de militares está prevista e qualquer mudança nessa configuração prevê um acordo prévio com a parte ucraniana.
Só que Moscovo não reconhece este Governo.
O que nós achamos muito atrevido. Desde que o Presidente fugiu tudo foi realizado sob as cláusulas da Constituição. O Parlamento assumiu a responsabilidade de nomear um Presidente interino, de forma legítima, e alcançou-se uma maioria constitucional. Em 450 deputados, mais de 300 votaram favoravelmente. Moscovo está no seu direito de não reconhecer, mas estamos a falar na ameaça do uso de força. E não há razão para isso. Usam um pedido de ajuda do Presidente deposto, o que é muito duvidoso. Além disso, Rússia, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e China são os garantes da integridade territorial da Ucrânia. Logo após o fim da União Soviética, a Ucrânia sofreu uma pressão sem precedentes por parte da Rússia e dos EUA para entregar armas nucleares à Rússia. A Ucrânia aceitou mas pediu garantias, as quais foram dadas no Memorando de Budapeste, assinado em 1994. Caso a Ucrânia se sinta ameaçada na sua soberania, tem o direito de pedir consultas com um dos países garantes. E foi o caso na quarta-feira, mas a Rússia recusou participar, o que prova que está a ignorar o direito legítimo da Ucrânia de proteger por meios diplomáticos a sua soberania.
Mas de facto o território está ocupado por tropas…
Não, a Crimeia não está ocupada. Algumas áreas estão controladas, mas o território não está ocupado. É por isso que achamos que a lógica vai vencer e vamos encontrar uma situação diplomática. Se precisarmos de ajuda externa, vamos pedi-la, como estamos a pedir ajuda financeira. É muito importante demonstrar que somos capazes de defender o nosso país, mas estamos no século XXI. Ninguém está interessado em ter um foco (de guerra) na Europa. A Ucrânia pagou um preço incalculável para termos o poder que queremos, um poder não corrupto. E agora queremos sentar-nos à mesa das conversações.
Putin disse que os soldados ucranianos são irmãos de armas dos russos.
A Rússia é um país-irmão, com o qual estamos ligados por muitos laços. Na Ucrânia moram uns 8 milhões de russos étnicos. E na Rússia há números que apontam para mais de 18 milhões de descendentes de ucranianos. Quem quer quebrar esta amizade e dividir a sociedade ucraniana, ao dizer que os russófonos estão ameaçados, lá como aqui em Portugal, provoca consequências graves. Isso é uma briga. A Ucrânia tem uma cultura milenar mas tem um Estado recente. Claro que temos as nossas diferenças entre Norte e Sul e Leste e Oeste, mas há que consolidar a união da Ucrânia e não provocar uma parte da população que veja na outra o inimigo.
Moscovo diz que na Praça da Independência e no Governo há elementos fascistas.
Pode dizer, mas também vimos nas ruas de Moscovo os fascistas. Esta revolta do povo ucraniano trouxe à superfície algumas forças ultras, extremas, mas representam pouca população e nós sabemos lidar com isso. No Governo há nacionalistas, mas fazem parte do Parlamento, como em Itália ou na Hungria. Isso não implica que esses países sejam nazis. Também os europeus apontam para algumas distorções, digamos, neste momento muito dinâmico. Há quem queira ganhar um prestígio barato e provoque confrontos. Não só lá, como aqui em Portugal, na comunidade, há uma caça às bruxas. Sempre disse que é um país grande e complexo por distintas razões históricas. Tínhamos um Presidente que hoje provoca sentimentos de vergonha, mas isso não quer dizer que devemos ser todos censurados.
O país está à beira da bancarrota. A ajuda de 11 mil milhões de euros da UE é suficiente?
A Ucrânia tem um sector agrícola muito forte e um enorme potencial exportador. Por si própria pode sustentar-se. Precisamos é de dinheiro para tapar buracos imediatos no sistema de salários e pensões. O sistema ficou paralisado nas últimas semanas. É essencial que se façam investimentos, temos enormes projectos estruturais a realizar. Acredito que o Governo vá lançar um programa de atracção de investimento. E para restaurar a confiança precisamos de paz e apoio, mas não de intervenção ou envolvimento.
Acredita ser possível um acordo comercial simultâneo com a UE e com a Comunidade Euro-asiática?
Na política nada é impossível. Seria uma fórmula mais equilibrada. Temos de pensar no dia seguinte e ser cautelosos.
E Portugal, como reagiu?
Muito rapidamente, com um comunicado a apoiar a integridade territorial e a unidade da Ucrânia. Quero agradecer ao Governo português. Portugal é um país amigo.