Se o referendo de hoje não tem qualquer validade legal, uma vez que fere a Constituição da Ucrânia, nem será reconhecido, pelo menos no Ocidente, então a solução é o Parlamento da Crimeia proclamar a independência – como aconteceu com o Kosovo em relação à Sérvia. Foi o que sucedeu na quarta-feira, numa sessão extraordinária e à porta fechada, quando se aprovou a declaração de independência da República Autónoma da Crimeia e de Sebastopol, a ter efeito após o plebiscito (que não contará com observadores internacionais e será boicotado pela minoria tártara).
A declaração alega o direito à autodeterminação, cita o exemplo kosovar e o apoio concedido pelo Tribunal Internacional de Justiça. Mais tarde, então, o território com dois milhões de habitantes poderá juntar-se à Federação Russa, que está em vias de aprovar uma lei sobre a incorporação de novos territórios.
Um tema muito sensível e que deixa de pêlo eriçado políticos de todas as antigas repúblicas soviéticas, mesmo as fiéis a Moscovo. E como tal, também a Ucrânia. É que o Leste e o Sul do país podem voltar a ser alvo de desestabilização por parte das ‘forças de autodefesa’ pró-russas que tentem replicar o modelo da Crimeia. Assim crê o secretário de Segurança Nacional, Andrei Parubi. “A Ucrânia enfrenta a ameaça de uma invasão em larga escala proveniente de várias direcções”. Segundo Parubi (o líder do grupo de Autodefesa de Maidan), os russos têm junto à fronteira 80 mil soldados, 270 tanques, 140 aviões de combate, 40 aviões e 19 navios de guerra.
Danos mútuos
Na quarta-feira, o Presidente interino ucraniano, Aleksandr Turchinov, reconheceu que o exército não vai intervir na Crimeia. A via diplomática é a única alternativa a um conflito armado que ninguém deseja. Mas nas ruas de Kiev já se dá por adquirido que a península está perdida para os russos.
Até porque a Rússia aparenta não temer as sanções que poderão advir. “Quem fala em sanções deveria pensar nas consequências. No mundo actual, onde tudo está interligado e todos são dependentes dos demais, claro que é possível fazer dano a outros, mas é sempre um dano mútuo”, disse Vladimir Putin na conferência de imprensa que concedeu sobre a Crimeia. Há dois dias, a chanceler alemã Angela Merkel elevou o tom, falando pela primeira vez na hipótese de se congelar contas de políticos, militares e oligarcas.
Poupança forçada
Sob o ponto de vista estrito de contas públicas, a secessão da Crimeia é uma boa notícia para os ucranianos. A capital Simferopol estava dotada de um orçamento anual de 860 milhões de euros, dos quais 575 milhões provinham de Kiev. Já a concessão da base naval de Sebastopol aos russos rendia 70 milhões de euros anuais. Contas por alto, uma poupança anual de 500 milhões de euros – um valor semelhante ao que a União Europeia propõe beneficiar o país por via da eliminação de taxas aduaneiras. Por outro lado, como estância turística (com Ialta à cabeça), a península recebia seis milhões de turistas por ano.
É do ponto de vista económico que o Ocidente deve actuar, observam vários especialistas e agora o investidor George Soros. “É muito importante que a União Europeia responda e que responda da maneira adequada. Não necessariamente impondo sanções à Rússia, mas ajudando a Ucrânia financeiramente e em questões técnicas. Algo parecido com um Plano Marshall europeu para a Ucrânia”, defendeu na quinta-feira.