Saem agora, reunidos num só, os cinco volumes autobiográficos de Thomas Bernhard (A Causa, A Cave, A Respiração, O Frio, Uma Criança, publicados entre 1975 e 1982). É lá que está a raiz desta relação complexa, assumida pelo escritor, assim: “O passado do Império dos Habsburgo é o que nos enforma. No meu caso, é talvez mais visível do que noutros. Manifesta-se numa espécie de amor-ódio pela Áustria que é a chave para tudo o que escrevo”.
O cenário é o da infância e adolescência, no final e pós-Segunda Guerra. Estamos em Salzburgo, a cidade “aniquiladora do homem criativo”, um “solo de morte arquitectónico-arquiepiscopal-estúpido-nacional-socialista-católico”, onde as pessoas têm um “fundo inteiramente inimigo”. Thomas vive no internato dirigido pelo sádico nazi Grünkranz (depois troca-se o retrato de Hitler por um crucifixo e surge o “Tio Franz”), nas grutas de abrigo anti-aéreo (onde se morre de asfixia ou de medo), numa cave-refúgio, como aprendiz de comerciante. A cronologia distende-se até aos 18 anos e ao sanatório, onde uma pleurisia degenera em tuberculose, a doença que vitima a mãe e o avô (única figura de amor) e de que o escritor sofrerá toda a vida.
Bernhard retrata, sob o olhar parcial de adulto pessimista (nunca “falsificando”, diz), a evolução de um “eu” ou “ele”, traumatizado e literário. Um humor cru, satírico, se não trágico, perpassa o ritmo frásico, tão singular. A densidade emocional do relato é proporcional à sua importância histórica. Este é um “palco doido” onde todas as figuras são Bernhard, desde pequeno na sombra da doença, da morte e do medo: um “desmancha-prazeres”.
Autobiografia
Thomas Bernhard
Sistema Solar
540 págs.
28 euros