Em 1973 Tony Blair tinha 20 anos e Nicolas Sarkozy 18. Naquela época as músicas não circulavam à velocidade instantânea de hoje, mas dificilmente o escocês e o francês não terão ouvido ‘Money’, o hino dos Pink Floyd contra os excessos do dinheiro, enquanto frequentavam Direito em Oxford e Paris. (Por curiosidade, Dark Side of the Moon, do qual faz parte ‘Money’, é o disco preferido do actual primeiro-ministro britânico, David Cameron). Os caminhos de Blair e Sarkozy foram muito diferentes, mas ambos estiveram à frente dos destinos dos seus países, foram líderes que gozaram de grande popularidade e que estão agora sob fogo.
Há ainda um terceiro homem que lhes é comum – e que, apesar de morto, pode ainda causar dissabores: Muammar Kadhafi.
As famílias das vítimas do Exército Republicano Irlandês, IRA, planeiam processar Tony Blair pelo seu papel de mediador entre o regime líbio e o Governo norte-americano. Este desenvolvimento surgiu após ter sido tornado público um email do então embaixador britânico em Trípoli para Blair, com as linhas de acção do que acabou por suceder: em 2008, após meia dúzia de visitas do antigo líder trabalhista a Trípoli, foi obtido um acordo. George W. Bush promulgou um decreto-lei a conceder imunidade judicial às autoridades líbias em troca de 1,5 mil milhões de dólares em indemnizações relativas a três atentados (discoteca em Berlim, em 1986, Lockerbie, em 1988, e o voo UTA 722, em 1989).
Um acordo bastante favorável a Kadhafi. Poucos meses antes, um tribunal tinha condenado a Líbia ao pagamento desse mesmo valor mas apenas pela morte dos sete passageiros norte-americanos do voo UTA. E invalidou qualquer outra acção judicial a decorrer, como era o caso das famílias do terrorismo dos separatistas irlandeses, que processavam o regime de Kadhafi nos tribunais norte-americanos pelo fornecimento de explosivos ao IRA. «Tudo isto é sujo, para dizer o mínimo», comentou ao Telegraph Colin Parry, o pai de uma das vítimas de um atentado.
Os esquemas de Sarkozy
O fantasma de Kadhafi também assombra Sarkozy. Enquanto Presidente, comandou em 2011 o primeiro ataque ao regime do coronel, quando este ameaçou avançar para Bengazi «sem misericórdia nem piedade». Mas segundo vários documentos que o site noticioso Mediapart tem divulgado, Sarkozy terá beneficiado de 50 milhões de euros para a campanha eleitoral de 2007.
Na realidade, e ao contrário de Tony Blair, Sarkozy está enleado num conjunto de casos judiciais que davam para encher as páginas desta revista. Foi a partir de uma investigação ao seu papel ou não no chamado caso Bettencourt (a herdeira do império L’Oréal que beneficiou de um perdão fiscal e que terá financiado a campanha de ‘Sarko’) que a situação começou a ficar complicada. Se neste processo acabou por não ser arguido (ao contrário do então ministro Éric Woerth), as suas agendas foram apreendidas e mantêm-se em poder das autoridades judiciais para aclarar outros casos em que está envolvido. Como por exemplo, o do financiamento ilegal por parte de Kadhafi (que levou a que fosse escutado por ordem de dois juízes).
Estas escutas, note-se, não têm qualquer relação com as gravações que foram entretanto tornadas públicas, efectuadas por um ex-conselheiro, Patrick Buisson, ao longo de cinco anos.
Ou o caso Tapie, em que o controverso homem de negócios Bernard Tapie exigia ser ressarcido após um conflito com o Crédit Lyonnais o ter deixado arruinado nos anos 90. Através da agenda presidencial consultada pelos magistrados, soube-se que o ex-presidente do Olympique de Marselha encontrou-se diversas vezes com Sarkozy, tal como um dos juízes do tribunal arbitral que julgou a favor de Tapie. A arbitragem promovida pelo Presidente terminou com Tapie a receber a quantia extraordinária de 403 milhões de euros do Estado.
Estas escutas deixam Sarkozy em maus lençóis: é agora suspeito também de tráfico de influências e violação de segredo de justiça. Algumas das escutas ordenadas judicialmente foram reveladas pelo Mediapart. É através de um telemóvel registado sob falsa identidade que Sarkozy fala de forma desabrida com o seu advogado, Thierry Herzog, sobre as melhores formas de evitar que «os bastardos de Bordéus» (os juízes) o investiguem. Já o juiz do Supremo Tribunal Gilbert Azibert é mencionado como alguém que iria interceder junto dos colegas em troca de um futuro posto de conselheiro no Mónaco.
Provar do próprio veneno
Nicolas Sarkozy reagiu através de um texto publicado no Figaro, no qual comparou as investigações de que é alvo aos métodos utilizados pela Stasi, a polícia política da antiga RDA. Mas, ironia das ironias, foi durante os seus mandatos, primeiro como ministro do Interior, depois como Presidente, que a legislação actual alargou os poderes da polícia e da justiça no que às escutas respeita. Como dizem os franceses, é a história do arroseur arrosé (o regador regado). Comenta o ministro Arnaud Monteburg: «O senhor Sarkozy descobre o endurecimento das leis penais que fez votar. De uma certa maneira, faz-se justiça».
As aspirações do ‘hiperpresidente’ – como era chamado quando esteve no Eliseu – passam por se candidatar a novo mandato. Mas terá, antes, de ultrapassar os seis inquéritos em que está envolvido.
Tony Blair passou a ter uma legião de pessoas que o odeiam e que dizem que este deveria responder em Haia por crimes de guerra devido à sua acção, juntamente com W. Bush, na invasão do Iraque em 2003. Mas o britânico – tirando a possibilidade de responder em tribunal por causa do referido grupo de familiares de vítimas do IRA – não parece preocupado.
Ou a sua preocupação é apenas enriquecer. É o orador mais bem pago do planeta: seis mil libras por minuto, segundo o Huffington Post. Dá palestras sobre educação e democracia e é conselheiro pessoal do homem de ferro do Cazaquistão, Nursultan Nazarbaiev; e provoca arrepios na espinha dos trabalhistas mais à esquerda ao fazer consultoria a peso de ouro para o banco de investimento JP Morgan, para a seguradora Zurich ou a cadeia de artigos de luxo Louis Vuitton. E soube-se, no mês passado, que perante o escândalo das escutas do tablóide News of the World, Blair voluntariou-se para ajudar, não as vítimas do jornalismo de sarjeta, mas o multimilionário Rupert Murdoch.
Com este currículo, o escocês terá neste momento uma fortuna avaliada em 75 milhões de libras – e com tendência sempre a subir.