O regime saído da guerra civil (o chamado decénio negro, de 1992 a 2002) não encontrou um candidato melhor que Bouteflika, de 77 anos, Presidente desde 1999 e que desde 2005 tem um historial clínico tão preocupante quanto misterioso. Nesse ano teria sido tratado a uma úlcera, mas a Wikileaks revelou que padeceu de um cancro no estômago. No ano passado, entre Maio e Julho esteve hospitalizado em Paris. E a recente visita do secretário de Estado norte-americano John Kerry a Argel expôs a debilidade física do líder argelino.
O pré-candidato Kamal Benkoussa foi mais longe. «(A candidatura de Bouteflika) é um insulto à inteligência do povo argelino. Não fala e, segundo pessoas próximas dele, só está consciente cerca de uma hora por dia», denunciou à Al-Jazeera.
Como Benkoussa, quase outros cem argelinos anunciaram a candidatura, mas desistiram pelo caminho: só dez chegaram a oficializá-la e meia dúzia foi aprovada. Entre os concorrentes a desalojar Bouteflika de La Mouradia, destaque para o ex-primeiro-ministro Ali Benflis, um advogado independente que nas eleições de 2004 foi segundo com apenas 6,4% dos votos; e para a candidatura de uma mulher, Louisa Hanoune, secretária-geral do Partido dos Trabalhadores.
Barakat manda bugiar
Desde o momento em que Sellal anunciou a recandidatura do septuagenário Presidente que nasceu um movimento de contestação. Outro antigo primeiro-ministro, Mouloud Hamrouche, apelou para se boicotar o escrutínio e para o exército intervir. Três partidos da oposição pediram igualmente o boicote.
A campanha ficou marcada por manifestações. O ponto mais alto da oposição foi o movimento pacífico Barakat (Basta!), nascido na cidade portuária de Bugia – localidade que em português poderá ser responsável por ‘bugio’ como sinónimo de ‘macaco’ e pela expressão ‘ir bugiar’. E de certa forma esta frase foi utilizada ao longo das dezenas de protestos sentados que se fizeram em várias cidades.
O enigma da juventude
Caso o escrutínio seja imune a fraudes – a União Europeia, por exemplo, não enviou observadores eleitorais, por falta de garantias – o papel dos jovens é uma incógnita. Mais de 70% da população de 38 milhões tem menos de 30 anos e a chave das eleições está nesta fatia enorme do eleitorado.
Aquando da Primavera Árabe, este país rico em reservas de gás (as segundas maiores de África) e de petróleo (as quartas maiores), também foi palco de manifestações. O Governo respondeu de pronto ao subsidiar os preços de produtos básicos, ao aumentar o salário mínimo em 20% e ao promover uma política de emprego para a juventude. Mas, apesar de os números oficiais do desemprego apontarem para os 10%, a falta de emprego entre os jovens estará no dobro desse valor.