Longe do fim

A “total identificação” com o libreto de José Maria Vieira Mendes, ainda o texto estava incompleto, foi o primeiro passo para António Pinho Vargas compor Outro Fim. “Disse logo ao Miguel (Lobo Antunes) que queria fazer eu”, contou durante o lançamento do disco, na sexta-feira passada, na Culturgest.

De que trata o escrito? Como Vieira Mendes descreve na sinopse, é o enredo típico de “uma ópera trágica de tempos clássicos”, em que a personagem Irmão se apropria aos poucos da identidade – e por fim, da Mulher – do Homem, a cumprir pena de prisão. Explicou o escritor na altura da estreia que a ideia nasceu de uma imagem de um filme de Ingmar Bergman, Persona, na qual os rostos de Liv Ullman e Bibi Andersson se fundem. “Resultou esta imagem na vontade de tudo em Outro Fim querer ser ou querer experimentar o outro”.

Como se estivesse na Escola Superior de Música de Lisboa, onde lecciona, Pinho Vargas fez uma prelecção sobre música e, claro, sobre o seu trabalho.

Sentido misterioso

“O essencial da ópera é o discurso que tem e o sentido profundo, e isto é da ordem do mistério. É a zona mais difícil de analisar”. Para de seguida dar uma alfinetada nos críticos: “A crítica refere-se ao que já conhece, como eu fazia quando era novo, mas isso é um obstáculo”.

A edição da ópera em disco é um acontecimento a vários títulos. Em primeiro lugar, porque se trata de uma estreia da Fundação Caixa Geral de Depósitos no mundo da edição musical. A este propósito, o administrador Miguel Lobo Antunes gracejou: “Não pensamos transformarmo-nos em editora de música, mas se alguém precisar, temos preços competitivos”. Depois, porque a edição de uma ópera nova, em português, não acontece todos os dias – e com a chancela de António Pinho Vargas.

O seu colega de profissão Sérgio Azevedo (compositor e professor) tratou de elogiá-lo ao lembrar que “não há no activo” muitos autores com uma produção dramática tão extensa: o músico de Vila Nova de Gaia tem no currículo quatro óperas, duas oratórias sacras e um Requiem (é o segundo autor português mais prolífico depois de Marcos Portugal). E, para Azevedo, Outro Fim é, de todas, “a ópera mais conseguida”.

Pegando nas palavras iniciais de Sérgio Azevedo, ao lembrar que a ópera nasceu de um “divertimento de corte”, para uns poucos escolhidos, os custos actuais de produção de uma ópera fazem com que este género seja outra vez desfrutado por uns poucos. Daí a importância do registo, que alarga o número de ouvintes, mas também “fornece outra possibilidade de percepção da obra”, salienta Pinho Vargas.

A estreia de Outro Fim – a que se seguiu apenas outra récita – foi em Dezembro de 2008 no Grande Auditório da Culturgest, em co-produção com o Teatro Nacional de São Carlos. Com encenação de André Teodósio e direcção musical do maestro Cesário Costa, estiveram em palco a soprano Sónia Alcobaça, o barítono Luís Rodrigues, o tenor Mário João Alves e as mezzo-soprano Madalena Paiva Boléo e Larissa Savchenko, da Orquestra Sinfónica Portuguesa.

cesar.avo@sol.pt