‘Carga fiscal sobre a poluição deve desagravar o IRS’

A reforma da tributação verde, que está a ser feita em paralelo com a do IRS, não levará a um agravamento da carga fiscal global. O Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e da Energia, Jorge Moreira da Silva, garante que a nova aposta nos carros eléctricos não é um regresso aos governos PS.

Portugal é deficitário em termos energéticos. Como se corrige esta lacuna?

É o maior desafio que se coloca à política energética. O Governo tem vindo a reforçar a autonomia energética, trabalhando em três níveis. Em primeiro lugar nas energias renováveis. Queremos que 31% da energia no país seja de fontes renováveis até 2020. Mas em segundo lugar é necessário assumir a eficiência energética como a maior prioridade. Não vale a pena estar a olhar apenas para o lado da produção quando do lado do consumo somos ineficientes. Em terceiro lugar, é preciso substituir alguns consumos de combustíveis por eléctricos, através da mobilidade eléctrica.

Como se pode melhorar a eficiência do consumo?

Entendemos que a Administração Pública tem de dar o exemplo e isso materializa-se em programas que envolvem mais eficiência nos edifícios públicos. Há também a aposta na eficiência energética na habitação, através dos próximos fundos comunitários. Há 400 milhões de euros alocados. E esperamos que a própria fiscalidade verde, que está em fase de revisão, permita reorientar a carga fiscal e os comportamentos. Os transportes são uma área onde é necessário uma atenção especial. Somos campeões europeus nas energias renováveis, mas infelizmente usamos demasiada energia para produzir e para nos movermos.

O relatório do FMI divulgado esta semana indica que terá de apresentar novas medidas de redução de custos na energia até ao final do mês. O que está a ser estudado?

Trata-se de uma nova abordagem, um terceiro pacote que será apresentado em breve. Não tem por objectivo reduzir a dívida tarifária nem pô-la numa trajectória sustentável, como aconteceu nos dois pacotes anteriores. O Governo entende que as próximas medidas de redução de custos de energia devem ter como principal objectivo reduzir os preços junto dos consumidores.

Através de que medidas?

O pacote envolverá não apenas a electricidade, mas toda a fileira energética: electricidade, gás e combustíveis. O efeito será mais social. Na área da electricidade, já houve cortes de 3,4 mil milhões de euros na dívida tarifária, que se reflectiram nas empresas que produzem electricidade, mas que ainda assim precisam de aumento de tarifas de 1,5% a 2% ao ano para os consumidores.

O sector energético está em progressiva liberalização, mas esse processo coincidiu com aumentos de preços. Que vantagens houve para os consumidores?

Essa questão vem confirmar a necessidade de concluirmos o projecto europeu na energia. Apesar de termos estabelecido metas e regras para o funcionamento do mercado, ainda temos uma ilha energética que é a Península Ibérica.

Qual é a principal barreira?

Há um estrangulamento nos Pirenéus quanto à capacidade de gerirmos a energia na Europa de uma forma mais integrada. Enquanto não conseguirmos superar os problemas de insularidade energética de que Portugal e Espanha padecem, teremos dificuldade em explorar plenamente os benefícios de mercado em grande escala.

O que tem sido feito para resolver esta situação?

Temos colocado o tema das interligações como prioritário no contexto europeu. Aliás, o que aconteceu recentemente na Ucrânia é bem revelador da importância das interligações.

A situação da Ucrânia pode levar a alguma mudança de perspectiva europeia?

Cerca de 30% do mercado de gás europeu vem da Rússia e 80% deste gás atravessa a Ucrânia. Obviamente que a segurança energética da União Europeia depende de uma capacidade de termos outras origens e outros canais de fornecimento de gás natural. Tendo Portugal e Espanha meia dúzia de terminais de gás natural, podem posicionar-se como uma fonte adicional de diversificação na UE.

Está a apostar na mobilidade eléctrica, mas essa ideia já existia nos governos PS, sem grande sucesso. Não há um regresso ao passado?

O que está em causa é a eficiência económica das apostas ambientais ou energéticas. A ideia de que a mobilidade eléctrica deve depender apenas de uma rede pública revelou-se eventualmente bem-intencionada. Mas, na prática, com resultados muito insatisfatórios.

Porquê?

Não é compatível com o modo de vida de cada um de nós esperar uma hora por um carregamento rápido na via pública, ou cinco horas por um carregamento normal. Não podemos pedir aos utilizadores de carros eléctricos que se convertam em líderes de Organizações Não Governamentais. Devemos criar condições para que os condutores de carros eléctricos e híbridos assumam uma opção adequada do ponto de vista ambiental, mas eficiente ao nível económico e de conforto.

Recentemente, foi publicada uma proposta de reforma da fiscalidade verde. Haverá novos impostos?

Não haverá um agravamento da carga fiscal global. Haverá é capacidade para explorar dois campos de hipóteses, num contexto de neutralidade tributária: identificar matérias em que a carga fiscal possa ser agravada e outras desagravada. E, no âmbito mais vasto da fiscalidade, onde se inclui o IRS, identificar possibilidades de reorientação da carga fiscal, agravando factores de poluição e de degradação de recursos naturais de forma a poder desonerar o factor trabalho e o rendimento das empresas.

Quer dizer que o imposto sobre combustíveis ou o IUC poderão aumentar para desonerar o IRS?

Não quero cingir o debate apenas aos transportes. Colocamos a questão em todas as matérias, desde resíduos, recursos hídricos ou a biodiversidade. Em 1995, Portugal tinha a quarta carga fiscal verde mais elevada da Europa. Neste momento, tem a 14.ª. É importante explorar a possibilidade de substituir impostos sobre o trabalho por impostos sobre a degradação de recursos naturais e poluição. Mas como isto não se faz nem de uma forma intuitiva nem subjectiva é importante estudar. E penso que este é o grande mérito da Comissão que elaborou esta reforma.

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