Nesta semana, a missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (UNMISS) condenou a chacina em Bentiu, capital do estado petrolífero de Unity – estratégico para a sobrevivência do país e as necessidades bélicas de quem o controlar -, que ocorreu entre 15 e 16 de Abril, quando os rebeldes nuer tomaram a região. “Revistaram vários locais onde centenas de sudaneses do Sul e civis estrangeiros se tinham refugiado e mataram centenas de pessoas depois de determinarem a sua etnia ou nacionalidade”, denuncia a organização.
Toby Lanzer, representante da UNMISS, garantiu à BBC ter visto “pilhas de corpos de pessoas que tinham sido chacinadas”. A missão avança que pelo menos 200 civis foram mortos numa mesquita, outros 400 feridos, mas também os que se esconderam numa igreja não escaparam – bem como os que estavam num hospital. Nem os próprios nuer foram poupados: relatos dão conta de que homens, mulheres e crianças desta etnia foram assassinados por não se terem juntado aos festejos que acolheram a entrada dos rebeldes na cidade.
O conflito no Sudão do Sul agudizou-se em Dezembro, quando o Presidente Salva Kiir, da etnia dinka, demitiu o vice-presidente, Riek Machar, da etnia nuer, acusando-o de traição. Machar negou, mas começou uma revolta que dilacerou o país, provocando milhares de mortos e mais de um milhão de refugiados.
Também o exército se fracturou: pelo menos 70% dos efectivos desertaram para o lado dos rebeldes. Estes já negaram os massacres de Bentiu mas a UNMISS reitera que a rádio local passou mensagens de ódio e apelou à violência sexual sobre mulheres das outras comunidades.
O cessar-fogo assinado em Janeiro não teve efeito na escalada da violência e a presença de 8.500 capacetes azuis no país é notoriamente insuficiente.
Cenário repete-se na República Centro-Africana
Até agora, a ajuda humanitária somou menos de 350 milhões de euros – muito abaixo dos quase mil milhões estimados necessários pelas Nações Unidas. Outras crises estão a desviar a atenção e o dinheiro dos doadores, como a Síria e a República Centro-Africana (RCA).
O país – que a leste faz fronteira com o Sudão do Sul e a sul tem o Ruanda – vive à beira da guerra civil desde Março de 2013. De maioria cristã, a RCA viu um líder muçulmano derrubar o Presidente cristão. Seguiram-se meses de perseguições das milícias séléka, apoiadas pelo novo poder, às populações de fé cristã. Estas responderam com os seus próprios grupos armados, os antibalaka.
A comunidade internacional pressionou e o líder muçulmano acabaria por sair do poder, em Janeiro, admitindo a incapacidade de controlar a selvajaria miliciana. Os papéis de vítimas e carrascos inverteram-se, manteve-se o massacre das populações.
A presença de contingentes da União Africana (cerca de seis mil homens) e da antiga colona França (dois mil) não evitaram que 1,5 milhões de pessoas – um quarto da população – fugissem das suas casas. A capital Bangui acolhe milhares de refugiados em condições intoleráveis – como testemunhou o secretário geral da ONU.
Ban Ki-moon passou pela RCA depois de ter participado nas cerimónias dos 20 anos do genocídio no Ruanda. Num artigo publicado na BBC, afirma não querer ver nascer ali “outro Ruanda”, mas admite que “a limpeza étnico-religiosa é uma realidade”.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas já aprovou o envio de 10 mil tropas e dois mil polícias para a RCA, a juntar-se a um contingente da União Europeia. Só que, como também reconhece Ban Ki-moon, “a missão de paz vai demorar pelo menos seis meses para ser montada e começar”.
A chegada da época das chuvas, que se estenderá de Junho a Outubro, só vai piorar o cenário (como no vizinho Sudão do Sul), alagando campos de refugiados, dificultando acessos, isolando populações. Enquanto isso, a comunidade internacional faz figas para que os civis se aguentem neste labirinto de guerra, onde o ódio faz ricochete – até a ajuda chegar.