Dias da Música: Mudanças em Belém

Se, como Italo Calvino escreveu em Porquê Ler os Clássicos?, “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”, o poema de Luís de Camões que serve de mote para os Dias da Música em Belém mantém a frescura e pertinência, como se comprova na primeira estrofe: “Mudam-se os…

Novas qualidades é uma das leituras possíveis do vasto programa que ocupa sete salas do Centro Cultural de Belém, para lá de outros espaços dentro e fora de portas. No campo da criação, “há o aparecimento (em Portugal) de uma nova geração com maior variedade de estilos, aberta ao mundo exterior, quando antes havia uma corrente modernista dominante”, destaca ao SOL o compositor Sérgio Azevedo. “O compositor já não ouve só música clássica e há casos, como o de Luís Tinoco, que vêm do jazz”.

Além do próprio Azevedo, há obras em estreia de Alexandre Delgado, João Madureira, Luís Tinoco e Nuno Côrte-Real. De Sérgio Azevedo estreia-se ‘Hukvaldi Trio’, uma composição para violino, violoncelo e piano em homenagem a Janacek, “que teve um papel importante na mudança do século XIX para o século XX”. Do checo diz ainda: “É um dos compositores mais independentes das correntes históricas. Sinto-me como ele, não me enquadro em nenhuma corrente”. Esta composição vai ser integrada num disco de música portuguesa a editar pela editora Naxos.

De Sérgio Azevedo será ainda tocada a peça ‘A Britten Celebration’, estreada no ano passado e composta para 12 instrumentos de sopro, que será interpretada por alunos da Escola Superior de Música de Lisboa, onde lecciona. O facto de agrupamentos de várias escolas poderem actuar – nos palcos de livre acesso – merece também uma nota: “Estamos com um nível musical muito bom. Temos peças muito bem tocadas por alunos do secundário e é importante dar espaço aos jovens músicos e colocá-los num contexto mediático”.

O compositor diz, aliás, que a nova geração de compositores e a qualidade e quantidade de alunos são fruto de investimentos semeados ao longo das últimas décadas, mas teme que a austeridade ponha em xeque a continuidade do trabalho desenvolvido.

“A questão da mudança está muito presente na música”, comenta Joana Gama, um dos talentos da tal nova geração. Diz tratar-se de uma “óptima ideia, mais abrangente”, esta edição dos Dias da Música. “E há os itinerários sugeridos pelo CCB, o que dá a possibilidade ao espectador de ficar com uma ideia das grandes personalidades da música”. Os percursos pensados pela programação do CCB são: Sob o impacto da guerra; As grandes revoluções, na música e não só; Música para períodos de transição; Música para a posteridade; A fuga para o Novo Mundo; Encontro com o passado; A revolução do jazz; Compositores portugueses; e Bach pai e Bach filho.

A vencedora do Prémio Jovens Músicos, em 2008, na categoria piano, vai interpretar, com a Orquestra Sinfónica Juvenil, ‘Concerto para piano e orquestra em Sol’. Foi com esta composição de Maurice Ravel que se estreou em orquestra, quando finalizava o curso, e depois tocou no dito Prémio. “É uma alegria muito grande revisitar esta obra. É muito apelativa e viva, com influências claras do jazz”.

Sugestões do jazz ao nacional

Além dos percursos temáticos que o espectador pode seguir, pedimos ao compositor e à pianista outras sugestões. São de jazz duas das três propostas de Joana Gama: a “abertura de horizontes” de ‘Ela também canta’, canções de António Carlos Jobim, Charles Trenet, Cole Porter, Irving Berlin e Kurt Weil pela voz da coreógrafa Vera Mantero e piano de Nuno Vieira de Almeida, e a Big Band Júnior que convidou a “referência” João Paulo Esteves da Silva para o piano. Por fim, um grupo português, Os Músicos do Tejo, vão interpretar C.P.E. Bach e Mozart, tendo como companhia “o pianista mítico” Paul Badura-Skoda.

Já Sérgio Azevedo dá outro conselho aos leitores: “Em nome da minha classe sugiro as peças portuguesas. A música portuguesa está razoavelmente bem representada”. Aliás, o autor conimbricense acalenta o sonho de uma próxima edição ter apenas compositores nacionais, que em relação aos estrangeiros ficam a perder num só ponto: “A música portuguesa não é tocada”, lamenta.

Do concerto de abertura (‘Sinfonia n.º 7’ de Mahler) ao de encerramento (‘Sinfonia n.º 5’ de Mahler, ‘Concerto para Trompa e Orquestra n.º 2’ de Richard Strauss e ‘Sinfonietta’ de Leon Janacek), há muito para ouvir. E não só. Além da programação para crianças, há visitas guiadas, nos intervalos dos concertos, à exposição Tanto Mar Portugueses Fora de Portugal, e decorre na Praça do CCB o Mercado Novo&Antigo.

cesar.avo@sol.pt