O cardeal português D. José Saraiva Martins chegou a Roma em 1954, quando a Santa Sé era liderada por Pio XII. E hoje, sete papas depois, o cardeal permanece no Vaticano, tendo sido uma das figuras em destaque em todo o mundo durante a canonização de João XXIII e João Paulo II por ser o prefeito emérito da Congregação das Causas dos Santos, intitulada por muitos como a ‘fábrica de santos’.
Agora, dias após as cerimónias de canonização, que considerou “exprimiram fortemente a universalidade da Igreja Católica” conta o que, ao longo dos 60 anos que vive em Roma, o marcou em todos os papas que conheceu e privou. Em conversa com o SOL, depois de ter regressado quarta-feira, dia 30, de uma viagem ao Sul de Itália para dar uma conferência, Saraiva Martins, de 82 anos, lembra cada um dos Papas.
O mais próximo, admite, foi João Paulo II que o escolheu para integrar o governo da Santa Sé, primeiro como secretário da Congregação para a Educação Católica, em 1988, e depois como perfeito da Congregação para as Causas dos Santos, em 1998. “Almoçamos muitas vezes e as histórias com ele davam para escrever um livro”, diz, lembrando que conversava com João Paulo II como qualquer pessoa “fala com os amigos”. Conta que o Karol Wojtyla lhe referia várias vezes a sua admiração por Nossa Senhora de Fátima, que, dizia, tinha desviado “a bala para que ele não morresse”. Por isso, colocou uma imagem da Virgem Maria, que levou de Portugal, em Castelo Gandolfo, um dos locais de refúgio dos líderes da igreja Católica no Verão. “O papa missionário”. É assim que Saraiva Martins – que foi o responsável por iniciar o processo de canonização de João Paulo II – vai recordar os 20 anos de pontificado do amigo. “Foi o São Paulo dos tempos modernos”, defende, acrescentando: “Ele começou as viagens apostólicas por todo o mundo para como São Paulo levar o Evangelho”.
Antes de João Paulo II, o cardeal português já tinha conhecido quatro Papas. “Cheguei a Roma, como jovem seminarista, para estudar, no pontificado de Pio XII. Estive numa audiência com ele”, lembra o cardeal, que foi para Roma aos 17 anos, tendo sido ordenado padre naquela cidade em 1957 e começado a carreira de professor na Pontifícia Universidade Gregoriana. “Nessa altura conheci bem João XXIII”, frisa o cardeal, recordando que o Papa ficou surpreendido por ele ser tão jovem. “Um dia, estivemos juntos durante bastante tempo e ele perguntou-me o que estava a fazer em Roma. Quando lhe respondi que era professor ficou muito admirado”, diz, explicando que na altura já dava aulas na Pontifícia Universidade Gregoriana, para onde foi convidado pelo reitor depois de escrever um longo artigo de mais de cem páginas a defender a colegidade episcopal.
“Ele tinha uma linguagem muito popular e era muito simpático”, descreve, tendo registado também na vivência com João XXIII, entre 1968 e 1963, a sua proximidade ao povo e a sua sensibilidade, simpatia e coragem. “Foi ele que retomou a ideia de Pio XXII do concílio do Vaticano II e o convocou”. Por isso, se João Paulo II é o missionário, para Saraiva Martins, João XXIII é o “papa bom”.
“Mais reservado”, conta, era Paulo VI, com quem Saraiva Martins também privou, e a quem atribui o nome “Papa Amável”. Foi durante o seu papado, entre 1963 e 1978, que o cardeal português se tornou, em 1977, reitor da Universidade de Pontifícia Urbaniana, onde tinha começado a dar aulas. E o facto de ser jovem e ter tal cargo voltou a surpreender um Papa. Uma história que lhe ficou na memória passou-se numa das salas do Vaticano, num encontro que teve com o Sumo Pontífice e com o Dom Agnelo Rossi, o brasileiro que na época era prefeito da congregação para a Evangelização dos Povos. “Tinha eu acabado de ser nomeado reitor da Universidade quando Agnelo Rossi que ia encontrar-se com o Papa sugeriu que eu também fosse”. E quando se encontraram com Paulo VI, o cardeal brasileiro explicou. “Este é o novo reitor”, apontando para Saraiva Martins, que hoje recorda. “O Papa agarrou-me, olhou-me nos olhos com muita profundidade e disse: “Tão jovem e já é reitor!?”. Essa frase nunca mais lhe saiu da cabeça, assim como a resposta de Agnelo. “Então, Rossi respondeu que os portugueses amadurecem depressa”, recorda Saraiva Martins que hoje, bem-disposto, diz achar que a frase se devia também “ao facto de em Portugal haver um presidente da República muito novo, depois da Revolução do 25 Abril”.
O Papa que se seguiu, João Paulo I, apenas o conheceu de vista. “Um mês não dá para nada”, frisa Saraiva Martins, recordando o homem que governou a Santa Sé durante apenas um mês, entre 26 de Agosto e 28 de Setembro de 1978, data da sua morte, e que se tornou conhecido na Cúria Romana ‘Papa do Sorriso’, devido à sua afabilidade. “Dos que conheci, o que tinha mais humor era João Paulo II”, diz, orgulhoso de ter privado tanto com o homem que entre 1978 e 2005 governou a Igreja Católica, e lhe atribuiu o título de cardeal. “Quando me tornei cardeal conheci Bento XVI, que na altura também era cardeal. Estávamos muitas vezes juntos porque ele era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e eu da Congregação para as Causas dos Santos”, esclarece, sublinhando que era um colega extremamente amável e, por ser do mundo académico, revelava-se sempre muito culto. “Foi, e é, o Papa Intelectual”, afirma, registando o facto de Ratzinger ter-lhe atribuído, em 2009, o título de cardeal-bispo, a mais importantes categoria de cardeais da Igreja católica: “Dos 219 cardeais, só seis têm este título”. Entre 2005 e 2013 privou intensamente com Bento XVI, que considera “um amigo”. A mesma relação de amizade tem com o Papa Francisco. “Fomos criados cardeais no mesmo dia, em Fevereiro de 2001. Eu, ele e o D. José Policarpo”.
Com Bergoglio sempre teve um relacionamento próximo. “Falava muito comigo por causa das questões de beatificação argentinas”. Saraiva Martins não esquece a simplicidade e simpatia do amigo que considera ser o “Papa do Povo”. A última vez que teve mais tempo com ele foi na Páscoa. “Quando acabou a missa de São Pedro, nós cardeais ficámos sozinhos com o Papa e como sempre ele foi simples e agradável”. Ao olhar para trás para pensar na forma de ser de todos os Papas com quem privou, faz questão de deixar uma garantia: “são todos como as pessoas normais”.