As desigualdades e o crescimento

Regresso ao tema das desigualdades económicas. Hoje não numa perspectiva ética (há disparidades de rendimentos que são imorais) nem política (se essas disparidades continuarem a aumentar a coesão social de vários países e até a democracia serão postas em causa). A abordagem deste artigo é meramente económica.

O crescimento económico de países que o Banco Mundial considera de riqueza mediana – China, Índia, Rússia, Brasil, Indonésia, México – aproximou-os do nível de prosperidade das economias desenvolvidas. Aqueles países representavam em 2005 cerca de um terço do PIB mundial e agora já valem quase metade. 

Graças à globalização, que uma certa esquerda detesta, muitas centenas de milhões de chineses e de pessoas de outras nacionalidades saíram da miséria. Ou seja, as disparidades económicas reduziram-se entre economias nacionais, graças ao crescimento económico do antigo ‘terceiro mundo’.

O inverso está a acontecer no interior das economias nacionais, onde o fosso entre os pobres e a classe média, por um lado, e os muito ricos, por outro, aumenta desde há 30 ou 40 anos. Acontece desde logo na China. Apesar da espectacular melhoria económica e social, ainda subsiste na China muita miséria, ao mesmo tempo que se multiplicam os milionários – alguns dos quais compram casas em Portugal.

Há tempos escrevi aqui que,  nos Estados Unidos, a classe média vê os seus rendimentos praticamente estagnados desde há décadas, enquanto uma pequena minoria atinge níveis astronómicos de riqueza. Mas dados recentes mostram que a situação é ainda pior: a família americana de rendimentos medianos perdeu quase 8% desses rendimentos desde 2008. Em consequência, o poder de compra da maioria dos americanos baixou. 

É dessa maioria que parte o grosso da procura privada na economia americana. A travagem na procura da classe média nem de longe tem sido compensada pela subida em flecha da riqueza da minoria rica e sobretudo da muito rica (1% da população dos EUA). Até porque os muito ricos escassas compras adicionais farão com o aumento da sua riqueza, uma vez que já possuem quase tudo. 

A conclusão é óbvia: o alargar do leque de rendimentos prejudica o crescimento da economia americana, cuja recuperação da grande crise financeira tem sido débil. Decerto que a economia europeia, menos desigual, não está famosa, até em geral está pior do que a americana. É o resultado de vários países europeus, como a França, ainda não se terem adaptado à globalização, fazendo as necessárias reformas.

Mas não é por acaso que os países europeus com menores desigualdades de rendimentos são aqueles cujo crescimento económico tem sido mais elevado e mais sustentado. Refiro-me, claro, aos países nórdicos, onde vigoram generosos regimes de protecção social. Alguns desses regimes, como é o caso da Suécia, foram na década de 90 corrigidos de certos exageros. Mas o nível de protecção social nos países nórdicos, assim como o volume dos impostos pagos pelos cidadãos para a financiarem, mantém-se acima das médias europeias – sem prejudicarem a economia. 

Para além das consequências sociais e políticas que desencadeiam, ou poderão desencadear, as crescentes desigualdades no interior dos países travam o crescimento económico. É algo de que pouco se fala, mas merece atenção.