Vai falar à Universidade de Verão do PSD, sobre a separação entre esquerda e direita. Conta converter algum 'laranjinha'?
Vou lá dizer que a separação entre esquerda e direita faz mais sentido do que nunca. E que temos de encerrar o capítulo de dominação conservadora neo-liberal que dura há 30 anos. A esquerda europeia tem de encontrar forças para se unir e iniciar um capítulo progressista que dure 30 anos. E para que isso aconteça, vou dizer, a minha missão em Portugal é pôr o PSD na oposição, colocando no poder um governo de coligação entre a esquerda e o centro-esquerda.
Vai lá, então, fazer uma declaração de guerra.
É uma declaração de oposição política às tendências que eles representam. Vou lá dizer que a minha missão é unir a esquerda para os derrotar a eles. Estou empenhado em lançar um grito de alerta à esquerda e ser claro perante os nossos adversários. A esquerda tem de entender que vive um momento histórico e ou se concerta agora para salvar o que há a salvar do Estado Social ou deixará à direita a missão de acabar a sua obra.
Iniciou, entretanto, reuniões com partidos da esquerda. Quais são os resultados?
O Livre decidiu, antes do mais, apresentar-se aos seus congéneres políticos. Reunimos com o PCP e o Fórum Manifesto. Está previsto um encontro com o PAN e em Setembro vamos pedir reuniões com o BE e o PS e vamos também falar com a Renovação Comunista e outros grupos de esquerda e da ecologia. Do encontro com o PCP saiu a preocupação comum em reforçar a oposição à austeridade e a este Governo.
Dos contactos com o Fórum Manifesto saiu algo mais.
Temos a intenção de encontrar caminho para uma estratégia e um programa comuns.
Não seria natural que o Fórum Manifesto entrasse no Partido Livre?
Quando começamos a conversa pelo formato do que queremos fazer prestamos um mau serviço às necessidades que a esquerda e o país têm. Temos é de ver o que podemos conseguir juntos. Este sector da esquerda pode mais facilmente ter ideias claras e firmes para apresentar ao centro-esquerda, ao PS. Juntos, podemos dar à esquerda uma dinâmica maior, erguendo bandeiras programáticas como o erradicar da pobreza, o combate à precariedade, a segurança no emprego, a defesa do SNS e da escola pública.
Não ficava contente em ter a Ana Drago na direcção do Livre?
Não acho que isto tenha a ver com pessoas. Respeito muito o trabalho dela como deputada e as razões que a levaram a sair, com outros camaradas, do BE, por entenderem que deviam ser dados passos mais audazes para a convergência da esquerda. É isso que me importa, que esse tipo de visão passe a ser muito mais expandido à esquerda. Ainda não há muito tempo era uma ideia isolada.
A preocupação do Livre, ao juntar-se a outras forças de esquerda, como o Fórum Manifesto, é ter massa crítica para impor ao PS políticas de esquerda?
Sim, essa deve ser uma preocupação importante. Não é só preciso abrir a porta da Governação à esquerda, é preciso garantir que essa governação dê resultados concretos. Para isso, é importante que o sector à esquerda do PS tenha força, para ancorar o Governo à esquerda.
O BE não corre o risco de se esvaziar e até de se extinguir?
Eu espero que não porque o BE é um partido importante. Acho que ainda há muita gente no BE mobilizável em torno da causa de uma governação de esquerda. Espero que o Bloco tenha um contributo a dar na governação do país.
O que pode mudar na esquerda se António Costa ganhar a liderança do PS?
Não gostaria de comentar questões internas do PS enquanto elas não estão resolvidas. Gostaria de sublinhar apenas que as primárias foram inauguradas em Portugal pelo Livre, sendo que as do PS são muito diferentes. Esperemos que o PS não estrague uma boa ideia, a da abertura da política aos cidadãos. No Livre, as primárias foram uma ideia muito pensada, não foram uma situação de recurso. Em segundo lugar, espero que da decisão das primárias no PS saia uma solução que olhe para sua esquerda e que queira governar à esquerda e não virada para pactos de regime com PSD e CDS. Espero que o próximo líder do PS perceba que pode ficar na História por ter aberto a governação à esquerda.
Que efeito pode ter a anunciada entrada de Marinho Pinto nas legislativas? Dificultará a formação de uma maioria à esquerda?
Não vou discutir essa questão pelo lado táctico, mas pelo lado de princípio. Portugal tem só 21 eurodeputados e precisa muito de uma representação séria no Parlamento Europeu. E sei por experiência própria que não se aprende nem num ano nem em dois ou três a fazer um bom trabalho. Ao dizer já que vai abandonar o PE daqui a um ano, Marinho Pinto presta um mau serviço aos cidadãos portugueses e europeus. Marinho Pinto não está a levar a sério o seu mandato.
Ele admitiu alguma aproximação ao PS. Vê-se a apoiar um Governo com Marinho Pinto?
O Livre é um partido com bases programáticas muito sólidas, de esquerda, progressista e libertário nos direitos civis, nos costumes, nos direitos individuais, ecologista. Tem posições muito diferentes das de Marinho Pinto.
O Livre já tem oposição interna. Uma divisão dentro de um partido com meses de vida é sinal de sectarismo?
Há diferentes opiniões no Livre. Mas não me revejo na ideia de que há uma oposição interna porque não há textos ou estratégias alternativas. Quando houver oposição interna, sendo o Livre um partido plural, saberá lidar com isso.
O Livre quer ir para o poder?
A questão não é tanto querer ir para o poder ou não. Creio que é necessário que um grande sector da população portuguesa, à esquerda do PS, esteja representado não só na Assembleia da República mas também no Conselho de Ministros. Uma grande parte das políticas passa pelo Governo e até agora a esquerda à esquerda do PS prescindiu de aí se fazer representar. É algo que o Livre quer mudar o mais depressa possível.
O Livre conta eleger deputados nas próximas legislativas?
O Livre quer eleger deputados nas legislativas, é claro. Queremos ter representação parlamentar e que essa representação parlamentar seja suficiente para influenciar a acção governativa, se possível tendo também representação governativa. O partido que queira mudar a situação do seu país não pode fazê-lo só nos bastidores.
Eleger deputados e entrar no governo?
Se os eleitores nos derem o número de votos e o número de deputados suficiente, é evidente que será mais positivo estar também com um pé no Conselho de Ministros do que simplesmente ter de aceitar aquilo que é cozinhado lá e é entregue no Parlamento para aprovação pela maioria. Com a governamentalização do Parlamento, a representação ao nível do Governo é essencial. Em 40 anos de democracia, há cerca de um terço dos cidadãos que nunca estiveram representados no Governo. Nunca tiveram ministros oriundos dos partidos em que votaram. Isso é indesejável.