Grande parte dos alunos tinha pequenos blogues, websites ou fanzines votados aos géneros musicais ou cinematográficos por eles preferidos, os quais eram mantidos pela paixão, pela astúcia cibernética e pelas entradas gratuitas em concertos ou antestreias, pela recepção de discos ou DVD e pouco mais.
É claro que os professores abominavam estas práticas, especialmente pelo facto de o trabalho do crítico não ser reconhecido canonicamente como tal, e também muito por causa do modelo de remuneração destes críticos.
Na altura, a minha única experiência escrita tinha sido na já extinta Mondo Bizarre, uma publicação lendária portuguesa, de distribuição gratuita, maioritariamente sobre música. Recebia tal como os meus colegas de Barcelona.
A base da discussão lectiva era a inversão do cânone, o desprestigiar do profissional em detrimento do amador, o caminho inevitável rumo à extinção do profissional qualificado, o qual reúne uma série de características que o profissional não-qualificado não reunia, etc… Suponho que estas opiniões se mantêm ainda nos dias de hoje.
O meu blogue só começou depois de ter voltado a viver em Portugal. Na altura, o fenómeno dos blogues de moda já causava mossa na indústria, mas não tanta como hoje. Nada era tão descarado como hoje, muito menos aquilo que deixa os profissionais da moda de cabelos em pé: os posts patrocinados.
Para a economia do sector, o blogue de moda está para o público como os críticos, que os meus professores abominavam, estavam para a música e para o cinema.
No passado domingo, e porque Lisboa está muito na moda, estive com uma blogger mundialmente famosa, a propósito da preparação de um post futuro na sua página. A Natalie vive em Nova Iorque, onde ganha a vida como stylist profissional, ou seja, é profissional qualificada no seu sector, só que mantém uma publicação, Tales of Endearment, pelo amor que tem à ideia de conhecer pessoas que partilhem das suas mesmas paixões. Uma vez aberta a sua página, salta à vista toda uma panóplia de coisas que dizem que aquele blogue gera capital. E que ela muito provavelmente só vive daquilo, de fazer o blogue, e de, nas cabeças mais retorcidas, tirar o lugar aos outros, ocupar um cargo que não lhe pertence porque alguém se lembrou que não cabe à Natalie gerar capital através de uma plataforma de acesso gratuito, onde a maioria dos conteúdos é produzida de forma gratuita. É óbvio que a Natalie, tal como qualquer outra repórter da sua natureza, produz conteúdos que também podem ser fruto de uma permuta. Bens e serviços. Será isso criticável? Será que o resultado dessa permuta deve ser assim tão temido pela 'academia'? Quererá isto dizer que o livre acesso à informação deveria ser vetado? Deverá isto dizer que as indústrias criativas não têm como obrigação gerar capital para lá dos seus círculos de incidência primários?
Depois de a Natalie ter ido embora, fiquei a pensar sobre um bocadinho da conversa que tivemos acerca do blogue e das oportunidades que o mesmo lhe tem trazido, nomeadamente quando anda em viagem.
Fiquei a pensar nisto um bocado mais para lá da nossa conversa; recuei até aos meus professores em Espanha e a esta noção absurda de que a economia dos sectores se destrói através da sua evolução, de que os sectores perdem prestígio por que quem os faz é autodidacta e não quer enveredar por um caminho em que ninguém dá 'um espacinho', a não ser num blogue, isto é, a trabalhar quase de forma gratuita. E depois pensei na remuneração dos diferentes meios e na forma como o cânone preza o prestígio, e a inovação valoriza a humanização da forma de comunicar. A escolha, a validação e a credibilidade estão nas mãos do público. Os bloggers tornaram-se figuras centrais em alguns sectores pela forma personalizada como decidem comunicar. São pessoas que dão o corpo ao manifesto em todos os sentidos. E na maioria dos casos praticam uma economia de permuta, facto que à partida os coloca directamente numa posição semi-profissional face a quem de direito. Poderemos então considerar blogger uma profissão? Para isso não teríamos de pensar num novo sistema económico fora da realidade virtual? Pensei, por fim, que os meus professores temiam indevidamente, porque da mesma forma que nem todos conseguem viver dos blogues, nem todos conseguem viver do jornalismo, pelo que ninguém retira o lugar a ninguém. E a grande lição é a mesma de sempre: cada macaco no seu galho.
joanabarrios.com