“Nunca compreenderei esta inferioridade de um certo Sul da Europa face a um certo Norte”

O físico português João Magueijo dedica um livro à sua relação de amor e ódio com Inglaterra, onde há 20 anos dá aulas no Imperial College. “Bifes Mal Passados” retrata os ingleses com um humor por vezes corrosivo, mas também, diz o autor, “com muito carinho”.

Em Inglaterra, uma ida à praia pode ser uma descida aos Infernos… E ainda por cima, neste caso, o Inferno é frio – o clima inglês, diz o físico João Magueijo, é calibrado de tal forma que atinge apenas o ponto exacto para chatear as pessoas. E chateou, já que as reacções dos ingleses têm sido muitas e irritadas.

Num registo e com temas muito diferentes do habitual, Bifes Mal Passados relata uma série de “passeios e outras catástrofes em terras de sua majestade”, onde o autor vive e lecciona há 20 anos, no Imperial College.

Com um estilo jocoso, inspirado na antropologia cultural dos tempos do império britânico, Magueijo define o ‘bife’ numa relação de amor-ódio hilariante:

“Estas minhas expedições no Reino Unido foram, de facto, deveras desagradáveis, mas também uma excursão ao Planeta dos Macacos seria porventura muito incómoda e, no entanto, fascinante. E a Inglaterra, meus amigos, é tal e qual o Planeta dos Macacos”.

Depois de mais de 180 páginas de leitura, ficamos com a sensação de que a sua relação com a Inglaterra é como a de um filho desavindo mas que, apesar de tudo, faz parte da família. O livro foi uma forma de reconciliação?

A primeira parte da questão corresponde essencialmente à realidade: tenho de facto uma relação de amor e ódio com Inglaterra.

Mas primeiro, uma reconciliação não é precisa. E depois isto é um livro, não para ingleses, mas para portugueses, e a questão que levanta é: porque temos nós estes estúpidos complexos de inferioridade com raças que não valem uma corneta, como os alemães?

Nunca compreenderei esta inferioridade de um certo Sul da Europa face a um certo Norte (e não somos só nós). Mas ao menos os ingleses, em contraste com os alemães, têm um lado redentor que é o seu sentido de humor. O que faz com que o livro não fique pesado, espero.

Passa a mensagem de que não vale a pena sentirmo-nos inferiorizados. Mas optou por sair de Portugal, porque aqui ‘sufocaria’. Apesar dos avanços dos últimos anos, não teria condições para se dedicar à investigação aqui?

Claro que não! Mas a vida não é só trabalho. Se nós pecamos por um extremo, estas raças inferiores nórdicas pecam pelo outro.

Não teme ser expulso do Imperial College se levarem o livro à letra? Ou, pelo menos, ser muito hostilizado pela direcção, colegas e alunos?

Já me fizeram esta pergunta e tenho a dizer que isso é que eu não compreendo! Uma coisa boa que os ingleses têm é a incapacidade para o nazismo (e já que referi atrás os alemães, diga-se que também nisto eles são bem diferentes). Em Inglaterra ninguém expulsa ninguém por uma carga de caralhadas, e há um certo sentido de humor face a situações destas (aliás, relativamente ao Imperial College, o meu primeiro livro era bem pior a este respeito). Se calhar é por isso que cá estou ao fim destes anos todos, malgrado o clima, a comida, e os ‘eteceteras’.

Se isso acontecesse, teria alternativa?

Não. Era um bico-de-obra. Neste livro conta episódios hilariantes e diz que os transformou, mas que são todos verdadeiros.

Por que decidiu ajustar assim contas como seu país de acolhimento?

Não há ajuste de contas nenhum. Acho que é óbvio que casco neles como gente grande, mas que há também neste livro um enorme carinho. Deixemo-nos de tretas: isto é a vida a acontecer, não é a Inglaterra em formato ‘Vidas de Santos’. É o amor e o ódio, grandes compinchas. Não há outros como eles.

Como reagiram os seus colegas, alunos e amigos?

Coitados, não sabem nada disto. Estão em perfeito estado de inocência…

E as pessoas que retrata no livro, algumas delas bem próximas?

Idem, idem, aspas, aspas.

Entrevista à Tabu, 8 de Agosto.

ricardo.nabais@sol.pt