Um pé em Bruxelas, outro em Lisboa
Para o fazer, Durão vai ficar para já com uma base em Bruxelas. “É mais central, fica perto de tudo”, conta uma fonte próxima, explicando que o gabinete terá a tarefa de lançar Barroso como um orador em road show pelo mundo. Ou seja, a famosa “licença sabática” que Durão Barroso garante ter necessidade de tirar será tudo menos discreta.
A última semana passada no cargo mostra bem que Durão Barroso não está preparado para sair do palco. Em cinco dias foram 23 os eventos, reuniões e entrevistas de despedida. Só hoje Durão tem na agenda uma manhã passada em telefonemas com chefes de Estado e três entrevistas: ao Finantial Times, à SIC e à CNN.
Com o olho nas conferências que planeia começar a dar em breve, toda a publicidade é bem vinda. E Durão sabe disso, pelo que a agenda frenética dos últimos dias é mais uma maneira de mostrar ao mundo aquele que, em Bruxelas, o jornalista italiano Beppe Severgnini, lembrava ser “um dos três portugueses famosos no mundo”, a par de Cristiano Ronaldo e José Mourinho.
Por agora, o quase ex-presidente da Comissão Europeia, quer manter todas as opções em aberto e continuar com um pé em Lisboa. O cargo que hoje cessa dá-lhe direito a manter um gabinete na representação da Comissão Europeia em Portugal. E já começaram os preparativos para assegurar que Durão Barroso terá um gabinete no edifício do Largo Jean Monnet. O staff já está a ser escolhido, para que Barroso tenha uma equipa a trabalhar para si em Portugal.
De Bruxelas para o mundo, mas sem deixar Lisboa, Durão Barroso faz do seu futuro político um tabu e varia nas respostas.
Na terça-feira irritava-se com as perguntas sobre as presidenciais. “Já disse que não é não”, insistia ao SOL, com uma declaração clara: “Já disse que não sou candidato”.
Um dia depois, as certezas não eram tão fortes. “Ainda não tomei decisões finais sobre nomeações políticas ou eleições, quer no meu país quer nas Nações Unidas”, garantiu na quarta-feira na despedida dos jornalistas na sala de imprensa da Comissão Europeia. (ver pág.8)
Uma autêntica operação de charme marca os últimos dias no gabinete. À saída, Durão Barroso reservou um espaço especial para os artistas e intelectuais e em dois dias seguidos passou mesmo pelo Centro de Artes Bozar. Nada que se estranhe já que, segundo o director do Bozar, Paul Dujardin, Barroso é uma visita habitual do espaço.
“Durão mostrou-se interessado não só pelas instituições culturais, mas pelos artistas”, garante Dujardin, explicando que o predecessor de Jean-Claude Juncker lançou o desafio a 18 intelectuais para construir uma “Nova Narrativa para a Europa” e “veio a todos os debates”.
O projecto é um dos legados da presidência Barroso: o objectivo é ultrapassar a distância entre as instituições de Bruxelas e os cidadãos da Europa, através de conferências e debates sobre o que é hoje ser europeu.
No discurso de apresentação do livro que marca o arranque da abertura do projecto à sociedade civil, Durão puxou dos galões de homem interessado pelo universo intelectual e artístico, atacou a ministra da Cultura francesa por ter confessado a um jornal não ter lido um livro nos últimos dois anos e criticou os que “fazem do poder um objectivo”, preferindo ver a política como algo “instrumental” para atingir valores.
Um discurso sobre economia para consumo nacional
À saída, com jornalistas portugueses, o discurso mudava o tom e a agulha voltava-se da cultura para a economia. Para consumo nacional, Durão destaca a recuperação financeira como o principal feito do seu mandato. E o desemprego como o maior desafio para o seu sucessor.
A crise que apanhou o seu último mandato em Bruxelas foi, considera, “o verdadeiro stress test da Europa” e a prova foi superada. “Não houve implosão do euro como muitos diziam”, frisa, lembrando que apesar das dificuldades a União Europeia quase duplicou os seus membros, passando de 15 para 28, entre 2004 e 2014, “o que mostra a resiliência da Europa mesmo em crise”.
Acabado o programa da troika em Portugal, Durão Barroso sublinha a forma como o país recuperou “a capacidade de se financiar nos mercados”, quando se lhe pede para fazer um balanço dos seus dez anos à frente da Comissão Europeia. Barroso não quer que os portugueses se esqueçam da importância que teve no ultrapassar de uma situação de quase bancarrota.
Essa preocupação tem estado presente nas últimas entrevistas que deu a órgãos de comunicação nacionais. “Passei horas a convencer Merkel a dar à Grécia, a Portugal e à Irlanda taxas de juro mais baixas”, afirmou esta quinta-feira à Visão, numa entrevista em que, se por um lado, se gaba de ter sido quem convenceu “Passos Coelho e Portas a vincularem-se ao resgate” da troika, por outro sublinha que “todas as decisões foram tomadas pelos Governos e não pelo FMI ou pela Comissão Europeia”.
Os fracos resultados que as sondagens mostram numa hipotética corrida para Belém não serão alheios a esta estratégia de dar a sua versão para a História, apresentando-se como uma peça fundamental para a saída de Portugal da crise e não como o primeiro-ministro que deixou o cargo para se lançar em voos mais altos em Bruxelas. Mesmo que o gabinete de Durão avise os jornalistas de que o presidente cessante da Comissão Europeia não quer falar sobre política nacional, o ex-primeiro-ministro não descura a imagem que tem no país.
* em Bruxelas