Crónica do Alentejo Profundo

Quem me contou pela primeira vez a história do leão de Rio Maior foi a tia Ducília, que era uma distinta contadora de histórias.

Populares haviam avistado o que parecia ser um leão, e ter-se-iam registado ataques a gado numa localidade. O mistério durou vários dias. Suspeitava-se que o leão teria fugido de uma quinta onde se encontrava cativo. E, de facto, acabaria por ser morto a tiro pelo lavrador que o criara.

As histórias de animais que aterrorizam populações inteiras não são novidade, mas acho que aqui no Alentejo não há nenhuma – ou, pelo menos, não havia. Até à última semana, quando a Tédi foi passear – e uma senhora na casa dos sessenta anos, ao vê-la à sua frente, desatou numa correria louca pela estrada fora. Se agora for contar o episódio à sua maneira, teremos aqui o início de uma dessas histórias.

O nome Teddy foi-lhe dado temporariamente, porque em bebé parecia um urso panda. Mas a certa altura o animalzinho já dava pelo nome – e a única coisa a fazer foi aportuguesar a palavra para tentar minimizar a piroseira. E ficou Tédi.

Apesar do nome fofinho, a verdade é que nunca ninguém nutriu muita simpatia pela Tédi. Nem mesmo quando ainda só tinha dois ou três meses e parava para cheirar cada pedacinho do chão que pisava – e, depois de dar dois passos, se deitava muito cansada no meio da rua.

Já nessa altura a Tédi olhava para as pessoas como se as cumprimentasse e tentava aproximar-se delas à procura de festas. Apesar disso, quem se aproximava da bichinha fazia-o de mãos nos bolsos, e acabava por ficar aterrado só de olhar para as patas enormes que apareciam debaixo do seu corpo gordinho e desengonçado. Patas que ela arrastava como se fossem uns sapatos demasiado grandes para o seu tamanho.

As pessoas observavam-lhe as patas enormes, recolhiam as mãos com medo de ficarem sem um dedo e murmuravam qualquer coisa como: «Tu vais ser mau!». Ou, em alternativa: «Tu vais ser grande!».

Nunca pensei que um rafeiro alentejano fosse causador de tanto pânico. Num meio que ainda é sobretudo rural, esperava que as pessoas estivessem mais à vontade com a natureza em geral e com a fauna em particular.

Pensava eu que ficava bem vir para o Alentejo e adoptar um rafeiro alentejano em vez de outro cão qualquer. Mas não. Para as pessoas, o animal deveria ficar lá pelo monte a guardar as árvores.

Sucede que, como as nossas árvores não precisam de guarda e eu cresci com cães em casa, quer o cão tenha quinze quilos ou cinquenta não desisto de o passear à trela, levar à praia, à esplanada, à padaria ou ao mercado.

Aqui, porém, passear a Tédi na vila é quase como passear um leão ou um lobo.

As pessoas – homens incluídos – desviam-se, mudam de passeio, afastam-se, encolhem-se, protegem as crianças. Pergunto-me sempre se será um problema de tamanho ou de carácter (no que diz respeito ao cão, claro). Nos montes das redondezas, há rafeiros alentejanos – mas acorrentados, longe das casas.

Entretanto, alheia ao pânico que provoca, a Tédi passeia-se pachorrenta e vagarosamente, como uma doce gigante, distribuindo cumprimentos a quem passa.