O último capítulo do governador

Após 1.758 dias a ocupar o cargo de governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa já não esconde que está de saída da instituição, sem disponiblidade para um segundo mandato. O desgaste causado pelo colapso do BES e pela polémica com o papel comercial, o desconforto perante os ‘puxões de orelhas’ que tem recebido…

Após 1.758 dias a ocupar o cargo de governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa já não esconde que está de saída da instituição, sem disponiblidade para um segundo mandato. O desgaste causado pelo colapso do BES e pela polémica com o papel comercial, o desconforto perante os 'puxões de orelhas' que tem recebido do Governo e a discussão na comunicação social de potenciais candidatos ao seu lugar são motivos mais do que suficientes para o supervisor estar neste momento em contagem decrescente para o último dia de mandato, a 1 de Junho.

Carlos Costa é hoje um homem isolado, alvo da pressão de várias frentes. E fez questão de assumir a factura pessoal, social e até política de mais cinco anos ao comando do BdP. No final de sete horas de audição no Parlamento, o SOL questionou o governador sobre um eventual interesse em permanecer no banco central. A resposta chegou, mas sem palavras: baixou o olhar e o desconforto tornou-se patente na postura corporal, apesar do silêncio.

Durante o depoimento, transmitiu vários desabafos e uma subtil indicação de que irá passar o testemunho. “Aprendemos com as situações do passado que nos transmitiram. Mas também transmitiremos aos próximos a nossa experiência”, deixou escapar, uma hora e meia depois do arranque dos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES.

O governador carrega um fardo pesado por ter decidido a resolução do terceiro maior banco privado português, mas não tem dúvidas de que foi a melhor solução possível em tempo útil. Carlos Costa confessou que hoje não teria força anímica para suportar uma situação semelhante. “É uma grande responsabilidade fazer em 48 horas um Novo Banco. Se alguém me tivesse desafiado para fazer de novo, não sei se teria coragem. Não desejo nem ao meu pior inimigo passar pelo que a equipa passou. Estou aqui a falar não na qualidade de governador, mas na qualidade de pessoa. Ninguém imagina o que isto significa. Uma semana depois um indivíduo está esgotado”, lamentou, emocionado.

Custos pessoais

Torna-se evidente neste momento que uma recondução de Carlos Costa não seria imune a riscos. Os protestos dos clientes lesados pelo BES têm subido de tom e atingiram um novo patamar quando escolheram a residência do governador como palco para mais uma manifestação. “Este fim-de-semana, fui apelidado de gatuno. Chamarem-me gatuno à porta da minha casa é a maior ofensa que me fizeram. Eu não roubei nada a ninguém. O Banco de Portugal não roubou nada a ninguém”.

Sentença pública do Governo

A resolução do BES tem motivado duras críticas à actuação da supervisão, mas é o impasse na situação dos clientes do papel comercial do Grupo Espírito Santo que está a desgastar o governador e ameaça manchar a imagem do seu mandato. Nem em plena nacionalização do BPN ou liquidação do BPP Vítor Constâncio sofreu uma semelhante quebra da sua barreira de segurança. Carlos Costa está a pagar uma factura pública que em nada coincide com o seu perfil discreto e conservador.

A relação com o Governo não ajuda. Politicamente, o primeiro indício de mal-estar com o Executivo surgiu logo um mês depois da queda do BES. Em plena tomada de posse de novos administradores do BdP, a ministra das Finanças mostrou algum descontentamento com o desempenho do supervisor no caso BES. Em Novembro, na primeira audição na Assembleia, a narrativa de Maria Luís Albuquerque isolou o governador na decisão de intervir no banco. Também Pedro Passos Coelho lhe atribuiu a responsabilidade pela resolução do BES.

Na semana passada, a ministra voltou ao Parlamento e as 'reprimendas' continuaram. Por um lado, manteve o guião de que a resolução do BES foi uma decisão do governador e que está disponível somente para assumir o “ónus político” de concordar com a opção. Por outro, deixou no ar a possibilidade de o banco central ter gerido mal a relação com os lesados.

Recado da ministra

Nas entrelinhas, ficou patente que não pretende sugerir ao primeiro-ministro a recondução de Carlos Costa. “Acho lamentável se as pessoas foram induzidas em erro e haverá que perceber se de alguma forma o Banco de Portugal não cumpriu devidamente os seus deveres de informação. Acho que essa avaliação tem de ser feita serenamente. Importa primeiro resolver em definitivo esta questão, para que não subsistam dúvidas”.

Maria Luís aguarda as conclusões da auditoria independente pedida pelo próprio governador para avaliar a acção do BdP durante os três anos que antecederam a aplicação da medida de resolução ao BES. “Não estou a rejeitar que o Ministério das Finanças tenha a responsabilidade da supervisão sobre a actuação do Banco de Portugal, mas aguardaremos os resultados da auditoria em curso”.

A guerra com Carlos Tavares, presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), é outro marco negativo no percurso de Carlos Costa.

A posição de Fernando Ulrich é também sinal de que o sector financeiro poderá inviabilizar o apoio à sua recondução. O recato que habitualmente caracteriza os banqueiros nestas matérias foi quebrado com as críticas do presidente do BPI ao trabalho desenvolvido pelo BdP. Na imprensa são já discutidos os nomes dos potenciais sucessores, o que intensifica o desconforto de Carlos Costa.

sandra.a.simoes@sol.pt