Guia de compras rural

A primeira memória que tenho de ir às compras é com a minha mãe. Devia ter uns quatro ou cinco anos. A minha mãe usava um cesto, daqueles que agora voltaram a estar na moda, para trazer as compras para casa. Eu levava um igualzinho mas em ponto pequeno, a condizer com o meu tamanho…

Os legumes, a fruta, a carne e o peixe compravam-se na praça perto de casa. Não era preciso andar de carro. A minha mãe tinha o Sr. Belmiro para as frutas e legumes e comprava o peixe sempre à mesma senhora, que afiançava que era “o mais fresco de todos”. 

Quando comecei a fazer compras para mim, em Lisboa, descia a pé a Morais Soares, e quase na Praça do Chile virava à direita na Rua Carlos Mardel para ir ao supermercado. O supermercado ficava encafuado num espaço mínimo. A parte boa dos supermercados onde as pessoas têm de se acotovelar para chegar às prateleiras é que só vendem bens alimentares. Geralmente não há plantas, nem cestos, nem tapetes para nos distrair – e em 10 eficazes minutos despachamos as compras da semana. No fim, regressava a casa de autocarro com as compras dentro de um saco de pano, porque esse supermercado não dava sacos de plástico. 

Quando vim viver para o Alentejo cheguei mesmo a acreditar que a bicicleta haveria de ser o meu principal meio de transporte, e até andei à procura de um cesto para transportar as compras.  

Também acreditei que havia de comprar as frutas e os legumes na praça recém-inaugurada. 

Mas os velhos hábitos são resistentes, e não só tenho ignorado a bicicleta, como desisti da praça logo à segunda visita. Até sou daquelas pessoas que têm dificuldade em resistir a um mercado ou a uma feirinha, mas a tradicional insistência dos vendedores deixa-me desnorteada quando só quero comprar legumes para a sopa. 

Na vila alentejana onde  vivo, por incrível que pareça, há dois supermercados grandes. Um deles também vende cestos, tapetes, loiças, distraindo-nos do nosso principal intento que é encher o frigorífico. 

Nos primeiros tempos corria de um para outro sem encontrar o que me convinha – e convencida de que só seria uma dona de casa feliz quando abrisse na vila um terceiro supermercado. Mas, depois, descobri que o talho da vila tem produção própria e que a peixaria só está aberta de manhã porque o peixe que vende é pescado na noite anterior. 

O pão alentejano a saber às férias da minha infância também não se encontra no supermercado – e quentinho é melhor ainda. E a dona da mercearia da esquina vende o caldo verde a granel e a salsa e os coentros em raminhos, e sabe que dispenso os sacos de plástico.  

E foi assim que as compras semanais que demoravam 20 minutos passaram a demorar mais do dobro do tempo, mas há qualquer coisa de reconfortante em fazer compras nas lojas de bairro. 

Não é só a questão do contributo para a economia local, porque os supermercados também o fazem de outro modo. Mas pode ser a maneira de dizermos que queremos um comércio mais justo, para os consumidores mas igualmente para os produtores – que, longe das grandes cidades, são também nossos vizinhos. 

Descobri ainda que os cestos vendidos nos supermercados são feitos na China. E parece-me um disparate, quando há senhoras aqui tão perto a fazê-los tão bem. É claro que para isso é preciso esperar pelo mercado, que só acontece de mês a mês…