Primeiro, e corrijam-me se eu estiver enganado, a RTP continua a ser do Estado e, de uma ou outra forma, uma parte dos nossos impostos vão lá parar. Portanto, cada vez que eu choro por descontar 25% ao passar um recibo verde, por exemplo, posso chorar ainda mais por saber que estou a contribuir forçadamente para aquela barbaridade. Adoro saber que contribuo financeiramente para a não evolução do nosso país. Juro, até me sinto um cidadão melhor.
Depois, e desta vez insultem-me se eu não estiver certo, não é suposto a RTP desempenhar um serviço público com o objectivo de desenvolver o país? Claro que não podemos todos gostar de toda a programação, claro que há conteúdos mais bacocos e com pouco sentido. Mas espetar ferros num touro e fazer disso um espectáculo com direito a transmissão no canal público é como fazer com que toda a gente da vila vá para a praça central aplaudir os escravos a ser chicoteados no pelourinho. A única diferença é cerca de 6 séculos. “Ai! Mas não gostas, não vês, mudas de canal!” – o meu argumento preferido de quem é a favor. Claro, quando eu mudo de canal, o dinheiro dos meus impostos já não vai de certeza para a tortura animal. Problema resolvido. Quando há merda no mundo, fecha-se os olhos e espera-se que passe, não é?
Mas já agora, e enquanto não acabam com a única coisa na TV que consegue ser pior que a Casa dos Segredos, há por aí alguém que me consiga explicar porque é que as touradas não passam com bolinha vermelha no canto superior direito? Se calhar sou eu que estou a ser burro, mas como é que um filme com umas cenas de pancada, perseguições e explosões é mais violento que um homem a cavalo à volta de um touro a espetar-lhe ferros e desprezo enquanto aplaudido por tanto energúmeno? Como é que um filme com cenas de sexo e amor (e sabendo que tão poucas vezes é minimamente explícito) é mais ofensivo para a sociedade que um touro a esvair-se em sangue e dignidade? Perdoem-me se sou obtuso, mas não compreendo como é que ver touradas, ao vivo ou na TV, pode ser benéfico para a aprendizagem de uma criança, ao ponto de nem se dignarem a usar a bolinha vermelha.
Não, filho. Não podes ver o Fight Club porque há socos, sangue e problemáticas existenciais que não vais perceber. Sim, filho. Podes ver os Bastinhas e companhia (reparei que isto parece Batatinha e Companhia, o que até faz todo o sentido) porque há supremacia do Homem, sangue animal e vais perceber que o mundo funciona assim porque é tradição.
Uau, tanto sentido que isto faz.
E por tudo isto e mais alguma coisa, e no meio de tanto valor que a RTP tem, a transmissão de barbáries é uma nódoa que caiu no melhor pano mas que é grande demais para se poder ignorar.
Já chega, RTP. Chega desta negligência social.