O rosto do atentado na Turquia

A guerra que mata para lá da fronteira turca – avistada em segurança quando o palco bélico era a síria Kobane – galgou as linhas territoriais desenhadas no mapa e deflagrou em Suruç, no atentado bombista de segunda-feira. Num centro cultural desta cidade turca, em que estavam reunidos dezenas de activistas a preparar uma excursão…

Seyh entrou ilegalmente na Síria no início do ano, segundo contou uma fonte turca ao Telegraph: “Participava num grupo ligado à Síria que apoia o EI. Não foi possível segui-lo enquanto permaneceu na Síria”.

A mãe do rapaz, entrevistada pelo diário turco Vatan, pouco adiantou sobre as actividades de Seyh, que estava na Síria com o irmão mais velho. “Não sei que trabalho tinham lá, eles nunca disseram. Só me disseram ‘não te preocupes, estamos bem’”, contou Semüre Alagöz. A última vez que falou com Seyh foi dez dias antes do atentado, mas mantém que “ambos são bons rapazes, não fariam mal a ninguém”, e que desconhece qualquer ligação aos extremistas.

O atentado em Suruç – cidade maioritariamente curda a cerca de 13 km de Kobane, do outro lado da fronteira – não foi reivindicado. Mas o primeiro-ministro turco Ahmet Davutoglu não tem dúvidas do carácter terrorista e apontava na terça-feira as “fortes probabilidades” de ter havido mão dos extremistas islâmicos. Identificado o autor do ataque e as suas ligações, esta é a primeira agressão a civis na Turquia por parte do Estado Islâmico.

Críticas ao Governo

Milhares foram para as ruas manifestar solidariedade com as vítimas – e descontentamento com o Governo, que acusam de não proteger os cidadãos, ignorando a vigilância da porosa fronteira. Por ali muitos estrangeiros põem o pé na Síria para se juntar ao EI.

A oposição acusa Davutoglu e o Presidente Recep Erdogan – do partido AKP, Partido da Justiça e Desenvolvimento – de boicotar a luta dos curdos que lutam na Síria contra os extremistas do EI.

O PM reagiu: “A Turquia e os governos do AKP nunca tiveram qualquer ligação directa ou indirecta com organizações terroristas e nunca toleraram grupos terroristas”. Da mesma forma que não toleram o PKK – Partido dos Trabalhadores do Curdistão -, ilegalizado no país e proscrito como organização terrorista. Apoiar os curdos que combatem o EI na Síria seria legitimar um velho inimigo.

Já o partido-sensação das eleições de Junho, o pró-curdo HDP – Partido Democrático do Povo -, que retirou a maioria absoluta ao AKP, chama o Governo à responsabilidade: “Aqueles que se mantêm em silêncio e que não se atrevem a levantar a voz contra o EI, governantes em Ancara que ameaçam o HDP todos os dias e protegem o EI, são cúmplices desta barbárie”, difundiu o HDP em comunicado.

Erdogan apelidou o atentado de “selvajaria” e Davutoglu prometeu “fazer o que for necessário contra quem for responsável”. Só em Julho, as autoridades turcas detiveram mais de 20 pessoas com ligações ao EI – uma acção que pode ter levado ao ataque de segunda-feira. Mas esta intensificação do combate ao terrorismo islâmico fica dentro de portas: a Turquia não participa nos raides aéreos que envolvem Ocidente e países árabes sobre alvos do EI.

 Enquanto prossegue uma investigação para apurar se uma mulher – cujo cadáver não foi ainda identificado – poderá ter estado envolvida no ataque suicida, o braço armado do PKK fez justiça pelas próprias mãos. Na quarta-feira, dois polícias turcos foram encontrados mortos a tiro em casa em Ceylanpinar, junto à fronteira síria. Uma retaliação pelo massacre de Suruç: “Os agentes colaboravam com o EI”.

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