Por isso, o que surpreende e diz alguma coisa sobre o modo como o país olha para os cargos políticos em geral, e para o de Presidente em particular, não é o facto de serem muitos os protocandidatos a Belém, como se vai ouvindo por aí, mas sim o facto de serem poucos. E menos ainda os que ousam tomar a iniciativa, ou manifestar sequer a intenção de o fazer, à margem dos aparelhos partidários, da correlação de forças no seu interior e das lutas intestinas em que são pródigos.
Exceptuando Paulo Morais, com a sua agenda anticorrupção, e Henrique Neto que, sendo militante do PS, se declarou candidato quando e como quis, sem esperar o apoio da direcção do partido ou de qualquer facção minimamente representativa, nenhum dos outros possíveis concorrentes teve, até agora, coragem bastante para não se deixar tolher pela partidarite que domina e sufoca a vida política. Todos os outros, já declarados ou apenas insinuados, se encontram em modo de espera, ansiosos e condicionados pelo que venha a ser decidido nas altas instâncias partidárias, ou por circunstâncias que nada têm a ver com as presidenciais, como o resultado das legislativas.
À direita, Marcelo Rebelo de Sousa, com uma popularidade e um percurso político que lhe teriam permitido impor-se na área a que pertence, inventou pretextos e cenários para não afrontar Passos Coelho que, possivelmente, nunca lhe dará o seu ‘amém’, como o próprio Marcelo já admitiu. Ou, então, espera que Passos saia de cena em Outubro e o PSD se renda às sondagens. Num caso ou no outro, subordinou a sua vontade, ou o que aparenta ser a sua vontade, a um tacticismo que o diminui aos olhos dos potenciais eleitores.
A síndrome Marcelo contagiou Santana Lopes e Rui Rio, pelo que os três se vigiam e empatam reciprocamente, sem se atreverem a dar um passo que possa ser posto em causa pelos partidos de que esperam um sinal.
À esquerda, além de Henrique Neto, surgiu Sampaio da Nóvoa, um ‘intruso’ cuja candidatura parecia querer romper com a lógica partidária aplicada às presidenciais, mas que, afinal, também contava com ela, pois invoca, a espaços, uma conversa supostamente encorajadora com o líder socialista.
Um começo de campanha tíbio e nada galvanizador deram espaço e pretexto para que se movimentassem no interior do PS as forças que estão a lançar Maria de Belém. Desde logo contra Costa e aquela que se supõe ter sido a sua primeira escolha; em qualquer caso, impondo uma lógica aparelhística e de facção nas presidenciais.
É assim que uma eleição autónoma, pessoal e personalizada, como tal definida pelo legislador, se vai reduzindo, à direita e à esquerda, a uma mera extensão da luta partidária.
Uma eleição que, teoricamente, dispensa partidos e facções, mas que, na realidade, lhes fica submetida quando os próprios candidatos a candidatos se deixam condicionar por eles, ou se colocam nas suas mãos.
O voto de Marçal Grilo
Eduardo Marçal Grilo escreveu no Expresso um desabafo pessoal que é também um alerta e um grito de protesto. Diz o ex-ministro da Educação que, depois de 4 de Outubro, não votará em legislativas se a lei não for mudada de modo que o papel dos eleitores deixe de ser apenas o de se pronunciarem no final de um jogo “em que a única coisa por decidir é a eleição dos actores secundários que ninguém sabe quem são”.
Milhões de portugueses já deixaram de votar há muito pela mesmíssima razão que Marçal Grilo apresenta. Mais um motivo para que vozes como a sua se indignem. Pode ser que os mandantes deixem de fingir que não ouvem.
O massacre da bola
Passos Coelho e António Costa farão apenas um frente-a-frente televisivo mas esse será transmitido por todos os canais em simultâneo.
Os telespectadores dos generalistas – e dos restantes, que não deixarão de se associar – não terão fuga possível. Bloco central e televisões limitaram-se a aplicar a receita do massacre já em vigor para os debates sobre futebol: todos à mesma hora e em todos os canais, se bem que, neste caso, praticamente todos os dias da semana.
O caso delirante da Supertaça foi só uma amostra do que nos espera quando começar um Campeonato que se prevê ainda mais quezilento do que o habitual.