Salgado recorre da prisão domiciliária

“O momento da defesa também chegará”. O aviso foi deixado por Francisco Proença de Carvalho quando, em junho, a justiça avançou com novas buscas e arresto de bens a membros da família Espírito Santo.

Salgado recorre da prisão domiciliária

Esse momento chegou. Os advogados de Ricardo Salgado recorreram da prisão domiciliária, medida de coação aplicada ao ex-presidente do BES a 24 de julho.

A defesa do antigo banqueiro avançou com dois recursos penais para o Tribunal da Relação de Lisboa no passado dia 2 de outubro. A informação consta no Portal Citius do Ministério da Justiça.

Contactado, Ricardo Salgado diz que “não comenta processos em segredo de justiça”. Mas ao que ao SOL conseguiu apurar, num dos recursos penais Salgado contesta a prisão domiciliária, 69 dias após a sua aplicação. O recurso surge também numa altura em que se aproxima a data da primeira revisão trimestral da medida de coação.

O juiz Carlos Alexandre decretou a medida de coação de obrigação de permanência na habitação (sem sujeição a vigilância eletrónica, mas com controlo policial) no dia 25 de julho, quando Salgado foi presente a Tribunal Central de Instrução Criminal, no âmbito das investigações ao Universo Espírito Santo. A medida será reavaliada até 25 de outubro.

Francisco Proença de Carvalho considerou a medida de coação “bastante desproporcional” logo após a sua aplicação. Este argumento estará agora exposto no recurso da defesa, que defenderá a postura “cooperante e voluntária perante a justiça” de Ricardo Salgado desde que saiu do BES.

Com este recurso, o antigo banqueiro pretende sujeitar a decisão do juiz Carlos Alexandre a um novo juízo de apreciação, agora por parte de um tribunal hierarquicamente superior.

Salgado não pode ausentar-se da sua moradia no número 141 da Rua Pedra da Nau, em Cascais, sem a autorização do tribunal. A primeira e única vez que saiu de casa foi no dia das eleições legislativas. O ex-presidente do banco está ainda proibido de contactar com os restantes arguidos no processo.

O antigo presidente do BES está indiciado por crimes de burla qualificada, falsificação de documentos, falsificação informática, branqueamento, fraude fiscal qualificada e corrupção no setor privado. E as medidas de coação foram aplicadas com fundamento na existência de perigo de fuga e de perigo de perturbação do inquérito e da aquisição e conservação da prova, sustentou na altura o Ministério Público.

Arresto sem contestação

Para já, a defesa de Salgado ainda não recorreu do arresto preventivo de bens promovido pelo Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

No âmbito do processo-crime foi decretada a apreensão judicial de bens no valor global de 1.835 milhões de euros. O arresto preventivo abrangeu pessoas singulares e coletivas relacionadas com o universo Espírito Santo e pretende garantir, no caso de condenação, a indemnização de lesados ou eventuais perdas que o Estado venha a ter.

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A defesa de Salgado acompanhou as diligências, garantindo na altura que “não deixará de exercer todos os seus direitos dentro daquilo que é o Estado de Direito e das regras e de denunciar todos os abusos que sejam cometidos neste processo ou em qualquer outro”.

No total, estão arrestados 589 bens – 273 prédios e 316 frações -, que incluem ativos de três fundos de investimento (Fimes I e II e Acif), da Espírito Santo Resources e das empresas Empreendimentos Imobiliários Cimenta, Lote Dois, Quinta da Foz e Cerca da Aldeia.

Estão ainda na lista de bens apreendidos sociedades ligadas à compra e venda de propriedades e de desenvolvimento turístico, como a Multiger, Esim, Aldeia do Meco, Herdade da Comporta, Santa Mónica Empreendimentos e Sociedade de Administração de Bens Pedra da Nau.

Na área da gestão hoteleira, os Hotéis Tivoli, o Coimbra Jardim Hotel, a Marinoteis e o Hotelagos também não escaparam ao arresto do DCIAP.

Entre as pessoas ligadas ao universo Espírito Santo, José Manuel Espírito Santo, Amílcar Morais Pires e o filho de Ricardo Salgado foram alvo de arresto de bens.

Ricciardi e Machado da Cruz chamados a testemunhar

Ao que o SOL apurou, José Maria Ricciardi, presidente do Haitong Bank (ex-BES Investimento), e Francisco Machado da Cruz, commissaire aux comptes do GES, serão ouvidos brevemente na qualidade de testemunhas. Correm termos no DCIAP pelo menos cinco inquéritos autónomos relacionados com o universo Espírito Santo, de acordo com o Ministério Público. Apensos a um dos processos há ainda 73 inquéritos com origem em queixas de lesados do BES e do GES.

Alguns dos processos surgem por iniciativa do Ministério Público e outros decorrem de participações dos reguladores financeiros: Banco de Portugal e CMVM.

sandra.a.simoes@sol.pt