A rua dos bares

Escrevo esta crónica em véspera de feriado. Foi em 1544 que o Rei D. João III atribuiu a Grândola a Carta de Vila. O resto do país pode não saber nem imaginar, mas neste bocadinho de Portugal amanhã ninguém trabalha – e, portanto, hoje é noite de copos. 


às

Às vezes passam-se meses que não saio à noite. A vila é pequena. Quem correu os bares todos uma vez já viu tudo o que havia para ver. 

Se Lisboa tem a rua cor-de-rosa, Grândola sempre teve a rua dos bares. Segundo me contam os amigos, saudosos dos tempos da adolescência, a rua dos bares era uma espécie de Little Cais do Sodré, com a diferença de que os bares fechavam portas às duas da manhã. Hoje, esta rua já só tem três bares. E a porta de cada um deles é a entrada para um mundo diferente. 

O Bar da Vila reabriu com nova gerência e faz realmente lembrar o Viking do Cais do Sodré, mas com luzes vermelhas e menos espelhos. Também lhe falta a malta nova de todas as idades e estratos sociais, os estudantes, e – claro – os professores universitários. E a música rock dos anos 80. Em vez disso, tem kizomba. 

Mesmo na porta ao lado, na Adega, é dia de karaoke – que eu pensava estar fora de moda. Mas o karaoke, seja lá onde for, oferece sempre um espetáculo pitoresco. Porque onde há karaoke há artista. Há o bem vestido que, ciente das suas fragilidades vocais, esteve toda a semana a ensaiar ao espelho para depois impressionar alguma menina. Há o artista rejeitado – rejeitado, provavelmente, por todos os programas de televisão de aspirantes a ídolos musicais, mas que é famoso cá na terra, principalmente por ter pais abastados. E, claro, há o cantor de duche – que tem a certeza que devia mandar o repertório para, pelo menos, um dos programas de televisão, mas ainda não teve tempo. Até lá, entretém os amigos pondo toda a sua alma e desafinação em cada verso. 

Neste espaço de dois andares parcamente iluminado há um pouco de tudo. A um canto, uma bandeira de Portugal. Uma bola de espelhos pende do centro do teto. Também existem luzes de discoteca, mas apagadas. Estranhamente, esta é a casa da malta mais nova, que ora aparece toda aperaltada, ora vem de calças de fato de treino. 

O Kargas – ‘Toni’ para os amigos, por causa do nome do simpático barman – faz lembrar as casas de tapas de Barcelona. Tem o canal dos concertos e passa os jogos de futebol mais importantes, além de ter esplanada no Verão. Vende cerveja em copos de 15 centilitros e vinho a copo. Não tem tapas, mas tem petiscos, desde os tradicionais ovos com espargos até ao hamburguer de alheira. E como são servidos em convenientes minipratos, tanto dá para jantar como para comer qualquer coisa ao final da tarde. E é ideal para quem come pouco de cada vez, como eu. 

A geração dos trintas encontra-se toda aqui. E se perguntarem se não me aborreço de ir sempre ao mesmo sítio, respondo que não. Há ali uma familiaridade reconfortante. É como ter, por exemplo, um irish de eleição em Lisboa. Fica pertinho de casa, sabemos que somos bem atendidos, podemos ficar para jantar, a música não atrapalha a conversa, e há a probabilidade de encontrar lá os amigos sem nada combinado. 

Na porta imediatamente ao lado, um quarto bar abrirá portas em breve. Ninguém sabe o que vai sair dali, mas secretamente algumas pessoas fazem figas para que não tenha nem luzes vermelhas, nem raparigas com ar de precisarem de um bom bife, nem kizomba, nem karaoke. 

 


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