Steve Jobs: o génio, o capitalismo e Deus

1. Estreia hoje, nas salas de cinema portuguesas, o filme Steve Jobs, produzido pela Universal Pictures e realizado por Danny Boyle. Primeira nota: vale a pena pagar o preço do bilhete de cinema para assistir a esta película: os leitores não darão certamente o dinheiro por gasto em vão. A magnífica – e muito realista…

2. O filme desaponta um pouco, na nossa opinião, na consistência do argumento e no ritmo da narrativa. Parece-nos que o intuito do argumentista e realizador foi o de fazer um filme curto, não exaustivo, indo diretamente, sem floreados, à mensagem que se pretendeu transmitir: as fronteiras entre a genialidade, a loucura e a misantropia social são muito ténues. Quase que as três realidades andam interligadas. Ao longo de dois terços do filme, Steve Jobs é-nos apresentado como um ser superior – mas incompreendido, traído e traidor, manipulador, desprovido de sentimentos e emoções. Steve Jobs é moldado como uma abstração humana – ou um ser humano em abstração. É lógica em estado bacteriologicamente puro. É razão. É ambição, sem dó, nem piedade.

3. No último terço do filme, porém, pretende-se oficializar a redenção de Steve Jobs: com os seus amigos mais próximos (Wozniak, interpretado por um Seth Rogen com a mesma “pinta” de sempre, mas sem os tiques de comédia “teen” que por vezes apresenta de forma exagerada), com a sua filha, consigo mesmo. E o final do filme, Steve não morre: Steve Jobs é apresentado com uma luz branca intensa, aproximando-se de sua filha. Para mostrar imortalidade – Steve Jobs não morre; estará sempre entre nós. E, de facto, Steve está entre nós. No seu Ipad, no seu Iphone, no seu Ipod. Ah, e não nos esqueçamos do seu IMac, guardado religiosamente na sua secretária!

4. No fundo, Steve Jobs, aparentemente sendo ateu, era profundamente religioso. Era um crente inveterado nas forças da natureza, nas regras da lógica, no funcionamento do Universo. Era um crente inveterado em si, nas suas capacidades. No seu génio criador – e no seu criador genial. De facto, há diversas referências a Deus no filme e na biografia de Steve Jobs – ora criticando, ora implicitamente elogiando. Porquê? Porque Deus era o grande inspirador de Steve Jobs, ainda que inconscientemente. Steve Jobs queria ser tão criador, tão influente, tão poderoso (?) quanto Deus. Steve Jobs queria ser Deus.

5. E ainda bem: querer ser Deus, sem o hostilizar, mas revelando o livre-arbítrio (graça Divina por excelência) e ser genial, é algo muito positivo. Afinal de contas, o sistema capitalista – o melhor e mais conforme à natureza humana do sistema económico e financeiro –, sendo o sistema da liberdade individual, pressupõe precisamente que cada um de nós tudo faça para que partilha a posição de Deus no processo de criação do “universo” em que vivemos. Universo social, económico e político.

6. O capitalismo estimula o nosso poder criador – e a competição, pilar fundamental do capitalismo, obriga-nos a ser melhores, a construir mais e melhor. A sermos empreiteiros mais eficientes da obra imensa que se chama Humanidade. Por isso, Deus recebeu certamente muito bem Steve Jobs entre os seus.

7. Concluindo: não há uma antinomia entre Jobs, Deus e o capitalismo – há uma complementaridade. O capitalismo é a emanação da Graça Divina que é o livre-arbítrio. E a Steve Jobs, com os seus defeitos, muito contribuiu para o progresso da humanidade e para a autonomia individual de cada um: a massificação do acesso à tecnologia foi o maior passo para a democratização da nossa sociedade. Ao contrário do comunismo e das ideias extremistas de esquerda que querem matar Deus, matando o homem: a “ditadura do proletariado” e a consideração de Deus como ópio do povo visam, tão só, matar o lado humano do Homem, reduzindo-o a uma mera realidade biológica fungível e iguais na desgraça.

Vale a pena ver Steve Jobs. Vale a pena ir ao cinema.

joaolemosesteves@gmail.com