Em comunicado, fonte oficial da defesa do antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) reagiu à notícia do SOL, afirmando apenas: "É falso".
Salgado terá transferido 30 milhões de euros para Macau em dezembro de 2013, oito meses antes do colapso do BES e numa altura em que o supervisor bancário já tinha detectado um buraco nas contas da holding do Grupo Espírito Santo (GES).
Esta é uma das suspeitas das autoridades judiciais e foi invocada para fundamentar um eventual perigo de fuga que – juntamente com o de perturbação do inquérito – ditou a prisão domiciliária do ex-presidente do BES a 25 de julho deste ano.
A referência ao "elevadíssimo património" de Salgado no estrangeiro consta no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, a que o SOL teve acesso. Salgado recorreu da prisão domiciliária, mas os desembargadores não só validaram a decisão do juiz Carlos Alexandre como também consideraram que a prisão em estabelecimento prisional "seria aceitável". No entanto, o recurso ficou sem efeito, porque a 5 de novembro a prisão domiciliária foi substituída por caução.
TRANSFERÊNCIA PARA MACAU
Os investigadores encontraram na agenda pessoal do antigo banqueiro uma inscrição no dia 11 de dezembro de 2013, com as menções "chegaram a Macau 30m€", "39 OK" e saldo "Suisse".
Confrontado com estas anotações, nos interrogatórios de 20 e 24 de julho deste ano, Ricardo Salgado tentou escudar-se no silêncio. "O arguido não apresentou justificação para um conjunto de inscrições na sua agenda de 2013, do qual aparentemente se extraem movimentos com destino a uma conta em Macau", lê-se no acórdão.
Perante a insistência dos investigadores, o ex-presidente do BES mencionou não conseguir decifrar o conteúdo, mas ainda assim alegou que o mesmo "poderá dizer respeito a movimentos de clientes". A acreditar nesta hipótese, "resta explicar por que razão é feita alusão a esta operação na sua agenda pessoal", questiona o Ministério Público.
CONTAS BANCÁRIAS NA SUÍÇA
Além deste alegado património, nos autos do processo Universo Espírito Santo destacam-se duas contas bancárias abertas na Suíça, na UBS e Credit Suisse, em agosto de 2012. Para o Ministério Público, essas contas têm "valores com proveniências ainda não apuradas, e de expressão elevadíssima".
Estes factos suportam a "suspeita" de que Ricardo Salgado possa possuir "elevado património fungível no estrangeiro", o "que facilmente lhe permitiria sair do país", já que possui amigos e muitos familiares fora de Portugal, incluindo uma filha e dois netos. Se para a justiça o ex-presidente do BES "não teria nada a perder" ao fugir, nem "nada que o prenda a Portugal", para a defesa de Salgado o perigo de fuga é "surreal", "um absurdo" e "mera e chocante ficção".
GESTÃO DE PATRIMÓNIO NO ESTRANGEIRO
O terceiro argumento da justiça para sustentar o eventual perigo de fuga do ex-banqueiro tem por base um documento encontrado nas buscas ao escritório onde durante meses preparou a sua defesa, na Rua de Macau no Estoril. "Datado de maio de 2013, nas instalações afetas aos interesses do arguido consta uma referral agreement, que admite o juízo de que o arguido esteja envolvido na atividade de acompanhamento de gestão de interesses financeiros, próprios e de terceiros no exterior".
Para os advogados de Salgado, a menção ao documento é «desprovida de sentido». No recurso para a Relação explicam que o antigo CEO do BES "nem sequer é parte do referral agreement, nem tão pouco assinou este contrato, datado de maio de 2013, entre a IGC Advisory & Services JKT (sociedade com sede no Dubai) e a ESI (com sede no Luxemburgo)".
Esta é uma matéria que ainda carece de mais investigação, ressalva o Ministério Público.
PRISÃO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL
Os desembargadores Américo Augusto Lourenço e Ana Paula Grandvaux atestam "a consistência dos indícios criminais" imputados a Salgado e defendem que "face à pouca eficácia que a prisão domiciliária tem em certos crimes, como é o caso da criminalidade complexa e altamente organizada, a própria prisão preventiva em estabelecimento prisional seria aceitável".
Recorde-se que a prisão domiciliária foi decidida pelo juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal por considerar insuficiente a medida de coação proposta pelo Ministério Público, a proibição de Salgado se ausentar do país.
VERSÃO CONCERTADA COM JOSÉ CASTELLA
Para evitar o perigo de perturbação de inquérito, a justiça proibiu Salgado de contactar com os restantes arguidos do processo e ainda com várias pessoas e entidades ligadas ao universo Espírito Santo. Para sustentar esse perigo, o Ministério Público socorre-se da "multiplicação de entidade e fluxos de valores, dissimulação de registos contabilísticos e falsificação de documentos contratuais".
O documento a que o SOL teve acesso revela que Salgado e José Castella, antigo controller financeiro do GES, terão concertado versões sobre as matérias em investigação. "Complementa o juízo de que se tornam necessárias medidas que acautelem a conservação e veracidade da prova, o documento encontrado na residência de José Castella, evidenciador da possibilidade de concerto de versões que pode tolher os fins do processo penal".
O Ministério Público acrescenta ainda que "este documento, para além do mais, é posterior à aplicação de medida de coação decidida no processo Monte Branco, que julgou concretizado este mesmo perigo".
Informação atualizada às 13h49
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