Até 20 de março, a cidade de Maastricht, na Holanda, será o ponto de encontro de colecionadores, antiquários, responsáveis de museus, curadores e amantes de arte vindos de todo o mundo. O motivo da peregrinação é a TEFAF (The European Fine Art Fair), que reúne anualmente a elite dos antiquários e negociantes de arte. Uma das estrelas deste ano é uma obra de Rembrandt cujo paradeiro se desconhecia há muito e reapareceu num leilão em Nova Jérsia (EUA). Intitulada O Cheiro, integra uma série de cinco pinturas do mestre dedicadas aos sentidos e representa um médico a acordar um doente desmaiado com um pano impregnado de amoníaco.
«Guardamos as melhores peças para mostrar na TEFAF. Nós já expomos aqui há não sei quantos anos e mesmo assim fico sempre surpreendido com a qualidade e o número de obras de arte absolutamente excecionais», diz Jorge Welsh. Especializado em porcelana chinesa de exportação e com loja aberta em Londres e Lisboa, Welsh é o único antiquário português com representação na feira de Maastricht. «Ontem um conservador de museu dizia que isto devia ser quase como umas Olimpíadas. De facto é preciso um grande esforço de todos os expositores para conseguir durante os anos manter a qualidade e surpreender».
As origens da feira remontam a 1975, quando nasce a Pictura, um evento consagrado à pintura antiga e escultura medieval. Três anos depois, em 78, surge a De Antiquairs e seria da fusão destas, em 85, que resultaria o atual formato, embora o nome TEFAF só surgisse em 1996. Ao longo das edições a feira foi-se expandindo e aprimorando, até se tornar, como diz Jorge Welsh, «o centro mundial do mercado da arte». Na edição de 2010 a Business Week (uma revista do grupo Bloomberg) fez as contas e estimou em cerca de mil milhões de euros o valor das obras expostas.
Hoje a TEFAF abrange áreas tão diversificadas como a fotografia, o design do século XX, joalharia, arte asiática e africana, mapas e livros raros, cobrindo um espetro temporal que vai desde o Paleolítico a 2016. A edição deste ano conta com cerca de 280 expositores e em outubro a feira holandesa inaugura uma nova filial em Nova Iorque. Além de Jorge Welsh há outro português representado: Pedro Cabrita Reis, com três obras na secção dedicada à arte contemporânea.
Da pintura às antiguidades
Jorge Welsh, que está sediado em Londres, começou a negociar antiguidades «para comprar tintas, óleos e telas», quando era ainda um aspirante a pintor e estudava na Chelsea School of Arts. Inicialmente vendia «antiguidades de todo o tipo, pratas, por exemplo» em mantas no chão, nos mercados londrinos. Ocupou ainda um espaço no Grays, uma espécie de centro comercial de antiquários, e passou por Portobello antes de conhecer a sua sócia, Luísa Vinhais, com quem em 1996 abriu a atual loja, em Kensington Church Street, no centro de Londres.
«Conforme fui melhorando a qualidade das peças que tinha comecei a perceber que era uma atividade extremamente interessante, e decidi concentrar-me, já com a Luísa, no encontro das culturas», revela. Em 2008 abriram a loja na Rua da Misericórdia onde se expõe todo um mundo de objetos exóticos e preciosos dos séculos XV-XVIII.
O pagode e o veado
Das peças que levou a Maastricht, Jorge Welsh destaca um pagode chinês em porcelana do final do século XVIII, princípio do século XIX. «Desde que negoceio, há 30 anos, este é o primeiro pagode azul e branco deste tipo que vejo em bom estado e completo. E temos também um veado em porcelana do Japão de proporções muito grandes, que deverá ter sido um precursor dos animais de [porcelana de] Meissen de grandes dimensões feitos para Augusto, o Forte [rei da Polónia entre 1697 e 1733]. É o único animal em porcelana do Japão do final do século XVII, início do XVIII, deste tipo que se conhece no mundo e já fez imenso sucesso, está toda a gente a falar nele», orgulha-se o antiquário. «É um exemplo do que acontece em Maastricht: todos os anos há mil ou duas mil peças deste tipo que quem não vier cá acaba por nunca ver», diz o antiquário, que considera muito provável vender o veado em porcelana.
O convite do Metropolitan
A atividade comercial – «que felizmente corre bem» – é uma das vertentes da feira. Mas não é tudo. Jorge Welsh salienta outras vantagens de participar, como os contactos que se fazem com antiquários, colecionadores e representantes de museus. «A feira de Maastricht não é como a Art Basel, em que há grandes festas e imensas atividades sociais. Mas organizamos um jantar em que reunimos à volta de 38 pessoas. Este ano temos seis museus de todo o mundo e colecionadores que também vêm de todo o lado».
E dá um exemplo dos frutos que podem resultar destes contactos: «Há cinco anos, numa conversa que se passou exatamente num destes jantares, apresentámos um colecionador a um responsável do Metropolitan de Nova Iorque. Cinco anos depois – já em abril – a coleção vai ser exposta lá. E o Metropolitan convidou-nos para publicar o catálogo. Parece que é a primeira vez que publicam um catálogo de uma exposição por um editor que não seja o do próprio museu», conclui Jorge Welsh.
Correção: Por lapso é referido que Jorge Welsh é o único antiquário português representado na TEFAF. Um leitor chamou, no entanto, a atenção para o facto de também marcar presença o antiquário Luís Alegria, ao qual pedimos as nossas desculpas pela omissão.