Poderá o choque do ‘Brexit’ levar a uma refundação da UE? A Europa comunitária está em crise profunda, revelada sobretudo na incapacidade de dar uma resposta europeia à crise dos refugiados. O problema do euro não se resolveu, apenas se adiou. E as derivas antidemocráticas na Hungria e na Polónia atentam contra os valores europeus. Etc.
Mas que mudança poderá trazer o ‘abanão’ da saída da Grã-Bretanha? Nos países do Sul, como Portugal, anseia-se por menos imposições de austeridade. Só que a tal se oporiam as opiniões públicas de vários países do Norte, e não apenas da Alemanha. Também há quem defenda um reforço da integração. Ora uma ‘fuga em frente’ iria aumentar o euroceticismo em vários países, a começar pela França, onde o nível de insatisfação com a UE é superior ao da Grã-Bretanha.
Importa recordar que a hostilidade ao projeto europeu não começou ontem. Tem pelo menos 25 anos e nunca foi encarada a sério pelos dirigentes da UE. A França era o país impulsionador da moeda única, para se livrar do domínio do marco alemão. Ora a 20 de Setembro de 1992 um referendo em França disse ‘sim’ à moeda única (Tratado de Maastricht) apenas por uma margem mínima. E em 2005 dois países fundadores da integração europeia, França e Holanda, rejeitaram em referendos a chamada ‘constituição europeia’.
A resposta dos dirigentes europeus a essa derrota foi, para evitar referendos, fingir que o Tratado de Lisboa nada tinha a ver com a ‘constituição’, quando em larga medida era substancialmente idêntico. Não admira que o euroceticismo não haja parado de crescer na UE desde então. Hoje, segundo uma sondagem do Pew Resarch Center, 61 por cento dos franceses encaram desfavoravelmente a UE.
Claro que o populismo e a demagogia têm impulsionado o euroceticismo. E que tais doenças da democracia não são exclusivas da Europa – veja-se Trump. Por exemplo, é muita criticada a intervenção de Bruxelas em coisas aparentemente ridículas, como o tamanho da fruta. Mas raramente foi explicado aos europeus que, para além de alguns exageros condenáveis, a maioria dessas imposições de Bruxelas é condição necessária para evitar protecionismos nacionais e concretizar o mercado único.
De qualquer forma, não é possível construir a Europa nas costas dos europeus, como agora se viu no ‘Brexit’. Por isso a mudança desejável na UE seria as instâncias comunitárias aproximarem-se dos cidadãos, não com propaganda, mas ouvindo-os e não fazendo avançar a integração ignorando a sua vontade, por errada que ela possa ser. Mesmo que tal signifique um compasso de espera, sempre preferível a futuros recuos dramáticos. Ou seja, melhor Europa, não mais Europa.
Portugal arrisca-se a ser marginalizado num processo de refundação da UE. Por dois motivos principais. Porque não tem mostrado suficiente capacidade de criar confiança nos investidores quanto a travar o desequilíbrio das contas do Estado e das empresas. E porque o presente governo é apoiado no Parlamento por dois partidos, o PCP e o Bloco, que olham a construção europeia como uma detestável manobra capitalista.
Tais riscos não devem alhear Portugal de contribuir, na medida das suas possibilidades, para evitar a ‘desintegração europeia’, que é uma consequência possível do ‘Brexit’. Precisa, porém, de não dar tiros nos pés, fragilizando-se face à UE.